Paulinho Cariri nasceu em Fortaleza e vive há anos
de lixão em lixão. FOTO: André Costa
Cada brasileiro produz, em média, um quilo de resíduos sólidos por dia. No município do Crato, no Cariri cearense, com quase 130 mil habitantes, são coletados mensalmente cerca de 117 mil toneladas de dejetos. Diante de tanto material descartado sem destinação correta, devido à ausência de aterros sanitários na região, um homem enxergou a possibilidade de externar sua criatividade, transformando o lixo em arte.

O nome dele é Paulo Pereira da Silva, mais como Paulinho Cariri. Natural de Fortaleza, cresceu em Aracati e há quase um ano reside no lixão do Crato. "Sou morador no mundo", adverte o homem, que se autointitula artesão, catador, decorador exótico, artista plástico, pintor nômade, voluntário, tecelão e poeta. Da poesia, inclusive, surge sua melhor definição, proclamada por ele próprio.

"Luta contra o preconceito, todos olham para seu jeito, no traje do dia a dia. É uma figura exótica, de barba grande bem fina, se uma mão alisar ela, parece um monge chinês. Seu bigode, bem tratado, na cabeça, um pano amarrado, tudo para ele combina. Já morou dentro do lixo, sem luz, no escuro, um breu. Do claro da lamparina, remexendo o que é seu. De dia, quente igual brasa, lutando fez uma casa, com paredes de pneus".

Arte

O talento do "catador nômade" impressiona e vai além da poesia. Quase tudo que é descartado se transforma em arte em suas mãos. São milhares de peças criadas a partir do lixo, com temáticas diferentes, que vão desde a religião ao meio ambiente. Com todo esse acervo, Paulinho criou o "Museu do Lixo", instalado em paralelo ao lixão da cidade. Na entrada principal da galeria, ou do "ateliê", como gosta de chamar, um tapete feito com peças de roupas velhas dá o tom do que está por vir.

São pinturas, esculturas, desenhos, colagens e uma infinidade de obras que transformaram a paisagem típica do lixão em espaço de pura contemplação. O Museu é divido por temática, conforme explica. "Na entrada, está o gueto e o cemitério da arte. Mas à frente, a biblioteca, e depois a arteoteca. No meio de tudo isso, um local para contemplar as obras pintadas e esculturas", fala Paulinho, como se toda palavra que saísse da sua boca fosse em tom de rima.

Todas as peças, garante o artista, foram feitas exclusivamente com materiais pinçados a dedo no lixo. O resto de tinta e o pincel velho, por exemplo, fizeram surgir um quadro. Já as esculturas são livres para interpretação, tanto do artista quanto para quem as contempla. "Aqui tem de tudo. Quando morrer, aos 130 anos, é isso que vou deixar de legado", brinca.

Apenas com talento e sem nenhum dinheiro, Paulinho Cariri conseguiu transformar um local degradante em espaço de beleza e riqueza singulares. O Crato, entretanto, não é a primeira cidade a ter parte do lixão transformado. Ele já passou por cidades como Mossoró (RN), Aracati e Juazeiro do Norte, fazendo trabalhos similares. Em Fortaleza, ministrou algumas oficinas pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci).

Valores

Nas vésperas de completar 51 anos, o catador sobrevive do que encontra no lixão. Apesar de ter uma renda baixa e não fixa, ele rechaça qualquer hipótese de vender suas obras. "Sem chance. Nunca vendo uma peça, mas se vendesse, teria comprado muita coisa, estaria rico", brinca.

Paulinho não comercializa, mas faz questão de presentear aqueles que contemplam suas criações. Foi a forma que ele encontrou para compartilhar seu trabalho.

"Não tenho o objetivo de ganhar dinheiro. Minha missão é transformar as paisagens que encontro ao longo da minha vida", pontua. Antes de encerrar a entrevista e voltar à pintura de uma tela, Paulinho faz questão de externar como se sente bem com a vida que leva.

Para o futuro, o poeta já tem novos planos. "Quero seguir estrada. Sou nômade, sou um artista do mundo", diz. Antes, porém, ele luta para conseguir expor seu trabalho em alguma galeria de arte da cidade. "Tenho vontade que todos vejam meu trabalho. Aqui no lixão, quando for embora, tudo se acaba. Os outros catadores tacam fogo, ou a chuva destrói. Na cidade seria diferente", almeja o homem alegre e vaidoso, que não se permite ser fotografado sem antes vestir um paletó e ajeitar sua longa barba.

"Sou feliz com o que eu faço. Apesar de morar aqui, não trocaria essa vida por nenhuma outra. Me orgulho de ser lixeiro, me orgulho de ser artista do lixo. Estou aqui diante de tamanha mazela, mas posso mudar essa paisagem com meu dom. E é assim que tem sido. Uns me chamam de maluco, e eu até sou. Mas quem são realmente as pessoas sãs deste mundo?".                               (Diário do Nordeste)

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