Vaquejada em Juazeiro do Norte movimentou
mais de R$ 1 milhão. FOTO: André Costa
Arenas lotadas, premiações milionárias e competidores que podem ganhar até R$ 150 mil vencendo uma única prova, muitos deles tratados como celebridades. A primeira vista, o cenário desenhado pode remeter ao futebol, mas o esporte em questão, já considerado paixão nacional, é a vaquejada. Com ganho de força nas últimas duas décadas, a vaquejada, presente com força sobretudo na região do Nordeste, passou a ser “uma mina de dinheiro”. No entanto, para alcançar a glória e acumular cifras, é preciso muita transpiração.

Anonimato a fama

Para eles o dia começa bem antes de surgirem os primeiros raios de sol. A jornada até chegarem nos grandiosos eventos, que envolvem premiações suntuosas, é árdua e mobiliza uma cadeia de inúmeros profissionais. Do surgimento da vaquejada, entre os séculos XVII e XVIII, até os dias atuais, muita coisa mudou. Do tímido público restrito aos sítios e fazendas, sobretudo no Nordeste, região onde o esporte ganhou força, às arenas lotadas, com públicos que se equiparam as grandes partidas de futebol.

Em Juazeiro do Norte, na região do Cairiri cearense, a história de vida de alguns vaqueiros se confunde com a vaqueja. Gilson Sampaio, de 39 anos, nascido em uma família humilde, cresceu na roça, de onde surgiu, ainda na adolescência, a paixão por cavalos e bois. Sem estudo, ele se dedicou a cuidar de animais caros, cujo preço de mercado pode chegar até R$ 1 milhão. Após quase um década como tratador, o vaqueiro entrou no mundo das vaquejadas. Junto ao esporte, Gilson viu a vida prosperar.

Campeões

Passados mais de 20 anos desde sua primeira disputa, Gilson hoje é conhecido no meio, e considerado um dos vaqueiros mais experientes do Ceará. “Perdi as conta de quantas vaquejadas fui campeão”, diz ele. Dentre as conquistas, Gilson acumula dois carros, várias motos, e inúmeras premiações em dinheiro. Ele não está só. A cidade hoje atrai os olhares dos grandes eventos. Juazeiro orgulha-se de ter alguns dos melhores vaqueiros do Estado. Ao lado de Gilson, está Davi. Nascido em uma família abastada, o estudante de medicina herdou o amor do pai, Daíta, pela vaquejada. Hoje divide a rotina de estudo, com o prazer pelo esporte.

Davi e Gilson são amigos. O primeiro é proprietário do Haras em que Gilson cresceu e hoje trabalha. O segundo, serve de inspiração para o “patrão”. Ambos, acumulam premiações Brasil a fora. No último evento realizado no Cariri, encerrado há duas semanas, o prêmio ficou em casa. Davi Rolin foi o vencedor de uma das três categorias da 41ª Vaquejada de Juazeiro do Norte, que teve duração de quatro dias e foi considerada, por organizadores e participantes, “sucesso de público e premiação”. Foram R$ 200 mil em prêmios. O evento reuniu mais de 100 mil pessoas e teve quase duas mil senhas vendias, o que representa mais uma estimativa de 600 vaqueiros.

Cifras milionárias

O negócio é lucrativo. São milhões movimentados todos os anos, em mais de 600 eventos, de acordo com a Associação Nacional de Vaquejadas (ANV). Há mais de 40 anos atuando no mundo das vaquejadas, Daíta Rolim Rocha, confirma, o esporte é, de fato, uma mina de ouro. “Não podemos falar em vaquejada e pensar apenas nos eventos, no dia das disputas. Vai muito além disso. São milhares de pessoas envolvidas para organizar uma vaquejada e outras centenas para cuidar dos cavalos, por exemplo. É um esporte que emprega milhões de pessoas e movimenta diversas cadeias da economia”, avalia.

Carlos André Ferreira da Cunha, organizador de eventos de vaquejada acrescenta que o fomento na economia de onde a festa está sendo realizada é significativo. “Tratadores de animais, vaqueiros, pessoal de curral, locutores, vendedores ambulantes, vendedores de arreios, as bandas que animam as festas entre vários outros. São várias pessoas e setores envolvidos”, disse. Entre exposições, as corrida em si, os shows e muitos outros negócios que vão desde a compra e venda de animais, a vaquejada de Juazeiro movimentou mais de R$ 1 milhão, afirma André. No Ceará, além de Juazeiro, destacam-se as vaquejadas de Fortaleza, Aquiraz, Brejo Santo, Farias Brito, Missão Velha, Itapebussu e Jaguaribe.

Quarto-de-milha: os melhores

Somente em sua fazenda, no Haras Davi, em Juazeiro do Norte, são mais de 100 animais, 20 deles cavalos já prontos para correrem nas vaquejadas. Todos da raça quarto-de-milha, a mais utilizada para a prática do esporte. “É uma raça de muita explosão. Atinge altas velocidades em um curto espaço. Além disso, é muito dócil”, explica o veterinário Vinícius Tenório Máximo, 26.

O preço de cada cavalo, segundo Daíta, pode variar entre R$ 10 mil até um milhão de reais. “Depende da linhagem, de quantos torneios já ganhou, tudo isso interfere no preço do cavalo”, conta. Para cuidar de um único equino corredor, são demandados, conforme explica Rolin, cerca de três profissionais. “Temos o tratador, vaqueiro, veterinário”, pontua.

Renato Pereira, conhecido como Catatau, é um dos responsáveis por cuidar dos equinos no Haras Davi. No meio há oito anos, ele conta que a vaquejada transformou sua vida. “Se não fosse a vaquejada, não saberia como sustentar minha família”. Entre os planos futuros, acrescenta, está seguir os passos de Gilson. “Também corro vaquejada, ainda não categoria amadora, diferente do Gilson que é profissional e vive exclusivamente disso, mas espero um dia evoluir e passar a ser um bom vaqueiro”, conclui.

Temor da proibição

Tratadores, criadores, vaqueiros, comerciantes e organizadores de eventos. Todos temem a proibição definitiva da vaquejada. A avaliação entre eles é consensual: “Se acabar, milhões de pessoas vão perder o emprego. Uma infinidade de famílias vão ficar sem o sustento”, afirma Daíta. Para o comércio, segundo atesta o empresário iguatuense Jair Victor de Souza, 42, “seria devastador”. Com loja especializada em suplementos agrícolas e estabelecida em Iguatu, na região Centro-Sul do Estado, Jair detalha que durante o imbróglio do Supremo Tribunal Federal (STF), iniciado no ano passado, as vendas caíram consideravelmente.

“Não se trata só da ração. Aliás, a alimentação é apenas uma pequena parte do que é consumido por esses animais de alta performance. Existem os equipamentos de corrida, tanto para os vaqueiros, quanto para os animais; suplementação, remédios e tantas outras coisas que, caso fosse proibido a vaquejada, teriam o fluxo de vendas reduzidas quase a zero. Ou seja, seria um impacto muito grande para o Brasil”, relata Jair, que também é criador. Segundo ele, por mês, cada animal pode custar aos criadores em média de R$ 1 mil.

Para Vinícius Tenório, além do impacto econômico, tem a questão da destinação desses cavalos “O que seria feito com esse animais?”, questiona. “A gente sabe que acabando a vaquejada, os bois continuaram sendo abatidos nos matadouros e nada mudaria. Agora e os cavalos? O que seriam feitos? Criar, arcar com o investimento mensal altíssimo para deixá-los parados nas fazendas? Muitos criadores e fazendeiro não iriam fazer isso, eles destinariam, provavelmente, o local onde os cavalos ficam, para criação de gado e os cavalos acabariam parando nas ruas. Isso sim é maltrato”, pondera o veterinário.

“Se a vaquejada fosse realmente proibida seria uma perda muito significativa, aumentaria ainda mais o número de desempregados no nosso pais. Vaqueiro é um profissional e além dele várias outras pessoas que acompanham o evento como: tratadores, locutores, vendedores, comerciantes e toda uma gama de profissionais que acompanham as vaquejadas e que dependem delas para sobreviverem”, adverte Carlos André.

Sofrimento e maus tratos

Em outubro do ano passado, quando decidiu derrubar a lei que regulamentava a vaquejada no Estado do Ceará, ministros do STF consideram que a atividade impõe sofrimento aos animais e, portanto, fere princípios constitucionais de preservação do meio ambiente. A justificativa é amplamente rechaçada por quem vive no meio.

“Não existe isso. Nos últimos anos o esporte avançou bastante. Há um rígido controle tanto com os bois, que agora têm os rabos protegidos e não sofrem qualquer maltrato, quanto com os animais, que passam por cuidados específicos após cada vaquejada”, detalha Máximo.

O tratador Catatau pondera que, após as corridas, os cavalos passam por uma triagem. “Os mais cansados, recebem aplicação de soro e compressas de gelo, além de receberem repouso especial”, pontua. “Tratamos como se fôssemos nossos filhos, por isso investimentos tanto dinheiro e tempo de nossas vidas nesses equinos”, finaliza Daíta.

(Diário do Nordeste)                              Cariri

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