Com água, além da agricultura, pode-se movimentar a criação de pequenos animais. FOTO: Antonio Rodrigues |
Crato/Mauriti/Milagres. "Em
cada sala, um altar. Em cada quintal, uma cisterna". Parafraseando Padre
Cícero, a região do Cariri, pelo menos na zona rural, assim como boa parte do
Semiárido, ganhou um componente em sua paisagem de Caatinga: a cisterna.
Nos
últimos 15 anos, o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e
outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas), financiado pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), impulsionou o acesso à água para
consumo humano e produção de alimentos, a partir de tecnologias sociais simples
e de baixo custo. O principal público deste programa são as famílias de baixa
renda, atingidas pela seca e falta regular de água.
Dentro
dele, surgiu, posteriormente, o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), criado
no ano de 2003, pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil),
organização que mobiliza cerca de 750 instituições. Hoje, a organização
contabiliza, pelo P1MC, mais de 600 mil cisternas, com capacidade de 16 mil
litros, construídas.
Já
o Programa Uma Terra, Duas Águas (P1+2), implantou cerca de 96 mil cisternas
das chamadas "segunda água", que captam até 52 mil litros das chuvas,
e que são destinadas à produção de alimentos e criação de pequenos animais.
Ampliação
Já
em 2011, surge o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água,
a partir do Decreto Nº 7.535, gerido pela Ministério da Integração Nacional e
executado em parceria com os governos estaduais. A medida procurou ampliar o
acesso às cisternas de placa de concreto e polietileno, além de outras
tecnologias sociais, para mais de 750 mil famílias.
Neste
cenário, várias histórias de vida foram transformadas no Semiárido brasileiro.
A região do Cariri cearense, conhecida pela sua geografia privilegiada. O sopé
da Chapada do Araripe concentra nascentes e poços naturais que abastecem os
municípios. Mas a realidade é diferente na zona rural. O acesso à água não é
democratizado, de difícil captação e, nos períodos de seca, muitas comunidades
dependem de carro-pipa.
Mudança
de vida
Na
comunidade de Catolé, no município de Milagres, a chegada das cisternas mudou o
modo de vida dos moradores. Segundo a agricultura Maria Agda Ferreira, a água
da primeira cisterna, de 16 mil litros, instalada em 2006, já garantiu o
consumo dela e de sua família, que, além de seu marido, possui três filhos e um
neto. "Antes, a gente botava água na cabeça ou no jumento. Água que vem do
céu é limpa, é boa", lembra.
Em
2014, sua família recebeu a cisterna de "segunda água", de 52 mil
litros e, a partir dela, começou a produzir alimento e aumentou sua criação de
animais. "A gente se sente como parte da renda da família. Antes, eu era
só nos afazeres da casa. Com isso aí, a gente consegue, além de cuidar da casa,
ajudar nas hortas, nas galinhas", explica.
Enquanto
isso, na comunidade de Jiqui, na zona rural de Mauriti, a agricultura Maria
Francineide Lima, 70, acredita que a cisterna deu outra perspectiva para sua
produção.
"O
período da seca, que nem é agora, as frutas antes morriam todas, porque não
tinha onde a gente arrumar nossa água. Agora, depois dela, nosso pé de laranja
já tirou dois sacos e já está colhendo outro. Quando vai acabando, a gente vai
abastecendo com o carro-pipa", conta. No entanto, sua tecnologia de
calçadão, de 52 mil litros, não encheu totalmente. A agricultora acredita que,
na cisterna maior, a água tem mais facilidade de evaporar.
Coordenado
pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Programa de Cisternas
operado pelo Banco do Nordeste (BNB), por meio da ASA, foi reconhecido com o
segundo lugar no Prêmio Internacional de Política para o Futuro 2017, da
organização alemã World Future Council, entregue na China. O projeto é parte do
"Água para Todos" e contemplou, além do Ceará, os estados da Bahia e
Minas Gerais com 21 mil cisternas.
Junto
com as tecnologias sociais, os programas fornecem equipamentos para criarem os
"quintais produtivos", onde o agricultor dedica um espaço de seu
terreno à criação de canteiros de frutas, legumes e verduras. A partir delas,
alguns já conseguem colher uma quantidade capaz de comercializar, seja nas
comunidades vizinhas ou nas feiras. Na comunidade de Genipapo, em Crato, Cicero
da Cruz, 31, e seus pais foram beneficiados com o projeto. Hoje, está
produzindo o coentro, alface, , salsinha, rúcula, cenoura, couve, cebolinha e
mamão.
Enxurrada
No
ano passado, a família de Cícero recebeu a cisterna de enxurrada, que capta a
água da chuva que cai no chão. Nela, também cabem 52 mil litros. Apesar de já
produzir antes da chegada da tecnologia social, hoje ele quer ampliar a
produção e aumentar a renda. "O pensamento é de produzir mais mamão, até
fiz algumas mudas aqui", espera o agricultor, que já vende na feira
agroecológica local, além de entregar, toda quarta-feira, às suas clientes.
Além das verduras e legumes, ele comercializa ovos, porcos e galinhas.
Já
Manoel Daniel Palmeira, 47, também da comunidade do Genipapo, começou a
produzir alface, cheiro-verde e macaxeira. Há cinco anos, ele largou o trabalho
na indústria, em Fortaleza, para voltar à agricultura. Mas, por enquanto, só
planta para o consumo. "Só plantava no inverno, feijão e milho",
explica. No entanto, sua cisterna do tipo "calçadão", construída em
agosto do ano passado, com capacidade para 52 litros, não encheu no inverno.
Ele acredita que a chuva penetrou na placa de cimento, antes de ser captada.
Renda
complementar
Na
região do Cariri, a Associação Cristã de Base (ACB), organização sem fins
lucrativos, criou quatro feiras agroecológicas que reúnem, semanalmente,
agricultores que produzem sem o consumo de agrotóxicos ou qualquer outro
fertilizante químico. A ideia surgiu para que os beneficiados dos programas de
cisternas, pequenos produtores, tivessem uma renda complementar e a população
da zona urbana tivessem acesso aos alimentos saudáveis. Hoje, as feiras
funcionam em Crato, desde 2003, Milagres, Nova Olinda e Santana do Cariri, as
três a partir de 2015.
Saiba
mais
Feiras
Agroecológicas na Região do Cariri
Crato
Toda
sexta-feira, a partir das 5h da manhã
Local: Rua dos Cariris, 61 - Centro
Local: Rua dos Cariris, 61 - Centro
Milagres
Todo
sábado, a partir das 5h da manhã
Local: Travessa Coronel Gomes - Centro
Local: Travessa Coronel Gomes - Centro
Nova
Olinda
Todo
sábado, a partir das 5h da manhã.
Local: Rua Pedro Antônio - Centro
Local: Rua Pedro Antônio - Centro
Santana
do Cariri
Todo
sábado, a partir das 5h da manhã.
Local: Rua Ulisses Coelho - Centro
(Diário do Nordeste)
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