O
sertanejo e sua fé são temas de vários documentários
realizados no Cariri. FOTO:
Antonio Rodrigues
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Juazeiro
do Norte. Na
década de 1930, chegaram as primeiras pessoas para fotografar o Cariri. Um
deles foi o sírio-libanês Benjamin Abrahão, que se juntou ao grupo de Padre
Cícero e Floro Bartolomeu e conseguiu fazer as primeiras imagens de Lampião no
sertão, numa câmera filmadora de 35 milímetros. Com a morte do 'Padim', muita
gente começa a ir a Juazeiro do Norte documentar, principalmente, o fenômeno
das romarias e o crescimento da cidade, a partir da figura mitológica do
Patriarca do Município.
Mas,
é na década de 1980, com Rosemberg Cariry e Jefferson de Albuquerque, que os
primeiros filmes são feitos por produtores locais. Em sua maioria, com temas
regionais, em forma de documentário. Surgem nesse período, por exemplo,
produções como "Dona Ciça do Barro Cru" (1981), "Músicos
Camponeses" (1983) e "Caldeirão da Santa Cruz" (1986).
"Isso começa a ampliar as noções de temáticas. Mas tudo voltando a um
olhar influenciado na Caravana Farkas. Tudo mais documentário, pouca
ficção", explica o cineasta Ythallo Rodrigues.
Só
que, em 2002, um Curso de Cinema oferecido pelo Instituto Dragão do Mar de Arte
e Cultura, realizado no Cariri, impulsionou a formação de produtores de filmes
locais. Ythallo Rodrigues foi um deles, que decidiu ampliar os conhecimentos e
participou da Escola de Realização em Audiovisual, em Fortaleza, da Vila das
Artes, em 2006.
O
cineasta já dirigiu 15 filmes, mas participou de outros 15, seja na fotografia,
assistência de direção ou no roteiro. Apesar do número expressivo de produção,
Ythallo acredita que o cinema do Cariri ainda deixa muitas lacunas,
principalmente, em longas-metragens. Para ele, os trabalhos são feitos
isoladamente. "Sempre foi muito incipiente. Nunca teve uma continuidade.
Há quantos anos um realizador daqui não faz um longa no Cariri? Faz muito
tempo. Esse tipo de coisa não rola. Têm rolado alguns curtas", acredita.
Por
outro lado, os curtas-metragens têm ganhado cada vez mais força no cenário
local. Muitos estão sendo exibidos em festivais em vários lugares do Brasil e
do mundo. É o caso de "Candeias" (2017), lançado em fevereiro, que
mostra a Procissão das Velas, que acontece durante a Romaria de Nossa Senhora
das Candeias, em Juazeiro do Norte. A produção, feita pela O Berro Filmes, teve
cinco dias de gravações e foi dirigida por Reginaldo Farias e Ythallo
Rodrigues.
Fascinação
"Quando
sentamos na perspectiva de fazer o nosso primeiro projeto, esse tema veio
naturalmente, por conta dessa fascinação que todos nós temos por essa
procissão. A procissão das velas carrega uma espécie de deslumbramento no
imaginário de todos nós e isso é o principal motivo por termos começado a
existência da nossa produtora por ela", garante Ythallo. Até o mês de
outubro, foram 10 exibições de Candeias, incluindo a participação no 22º É Tudo
Verdade, realizado no Rio de Janeiro e em São Paulo, considerado um dos mais
importantes festivais dedicados ao documentário na América Latina.
Selecionado
em outras mostras, nos meses de novembro e dezembro, serão 13 exibições, entre
elas, na Bulgária e na Colômbia. Utilizar a linguagem do cinema para debater a
cidade e refletir o espaço foi a forma encontrada pelo professor e cineasta
Glauco Vieira. Em 2002, quando chegou ao Cariri, também participou do curso do
Instituto Dragão do Mar. Dali, começou unir a pesquisa acadêmica com as
câmeras. No curso de Geografia da Universidade Regional do Cariri (URCA) surge
o Imago, grupo de pesquisa em cultura visual, espaço e memória.
Antropologia
"O
Cariri é alvo de registros antropológicos. Hoje, o audiovisual é ferramenta da
pesquisa, e vem sendo revigorado. Fica coabitando com a pesquisa acadêmica.
Estamos vivendo um tempo de repensar a academia com as linguagens da arte. Hoje
está se naturalizando em todas as ciências, o audiovisual, além da
Antropologia, que foi pioneira", explica Glauco Vieira.
Dentro
da URCA, a disciplina Geografia e Mídia tem estimulado os estudantes a
produzirem seus próprios curtas a partir da observação dos lugares. "Um
olhar sobre as cidades, sobre os sujeitos, um olhar reflexivo, de
provocação", explica Glauco. O professor conta que, no fim das aulas, os
alunos realizaram uma mostra com seus próprios trabalhos. Nove filmes no total.
Ele destaca o "Parque sem Exposição", que faz uma reflexão sobre o
uso do Parque Pedro Felício Cavalcante fora do período de Expocrato. "Quem
usa esse parque? Qual o cotidiano dele?", provoca o professor.
É
este olhar de revisitação da cidade que Glauco Vieira acredita que o Cariri e
seus cineastas proporcionam e que as releituras são bem-vindas. "No Cariri
tem uma cena de densidade no audiovisual por conta da mesma diversidade de
olhares. Você tem desde os olhares de representação formal da região, e outros
que fogem desse código mais padrão, fogem do clichê".
Violência
Nessa
perspectiva, surge o projeto "Travestis", da fotógrafa e cineasta
Nívia Uchoa, que, desde 2015, está gravando um documentário que narra a
perspectiva das travestis de Juazeiro do Norte nas romarias, no ativismo e na
violência que sofrem. Este ano, por exemplo, duas delas foram assassinadas no
Município.
"O
foco era mostrar a fé delas e a diversão, tanto as travestis locais como as que
vêm de fora, e o que fazem nas romarias. Como no documentário a gente está
sempre em pesquisa, depois dos assassinatos, eu mudei o foco para a perspectiva
da violência e do ativismo", expõe a cineasta.
Nívia
Uchoa acredita que o cinema é uma ferramenta de denúncia, mas também pode
discutir, criticar, absorver e passar mensagens. "A gente tem que fazer
políticas alternativas autorais na arte. Defender e fazer uma militância, a
partir dessa voz nossa e delas, também. A imagem é muito importante, chega muito
rápido. A perspectiva de conversar, construir assuntos determinantes, é a bola
da vez. A imagem diz", completa.
A
intenção é que o filme seja finalizado até fevereiro de 2018 na Romaria de
Nossa Senhora das Candeias. O resultado, a princípio, é um curta-metragem, mas
também pode render um longa. Como se trata de um projeto independente,
"Travestis" conta com apoio de amigos da cineasta. "Documentário
a gente não fecha. É uma coisa cotidiana, minha veia é de cotidiano",
conclui. (Diário do
Nordeste)
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