Lucas Feitosa criou, aos 8 anos, seu próprio museu sobre o Rei do Baião. FOTO: Antonio Rodrigues |
Crato. "Eu vou
pro Crato, vou matar minha saudade. Ver minha morena, reviver nossa
amizade". Eternizada na voz Luiz Gonzaga, "Eu vou pro Crato" é
uma homenagem à cidade que sempre acolheu o Rei do Baião, que, na próxima
quarta-feira (13), completa 105 anos de nascimento. Centro comercial da região
na época e vizinha à sua terra natal, Exu, Pernambuco, o cantor, visitava
frequentemente a cidade e, por lá, deixou amigos, canções e lembranças.
As
pessoas já se aproximavam da casa de Manoelito Parente quando a caminhonete de
veraneio escrita "Véio Macho" apontava na Rua José Carvalho, no
Centro do Crato. Era comum Luiz Gonzaga visitar o Município, principalmente no
período da construção do Parque Aza Branca, em Exu, inaugurado em 1989, após a
sua morte. Nesta época, ele já era consagrado como o maior cantor do Nordeste.
Na feira
A
relação com o Crato, porém, começou bem antes. Na infância, Luiz e seu irmão,
José, acompanhavam o pai, Januário, na feira da cidade, onde vendiam corda.
Após sucesso na região Sudeste, na década de 1940, Gonzaga, já adulto, retornou
ao Município para fazer seu primeiro show em solo cearense, no Cine Casino Sul
Americano, no dia 10 de julho de 1946. Com plateia lotada, o Rei do Baião
cantou alguns de seus sucessos, como "Vira e Mexe" e "Baião"
e "No meu pé de serra".
Em
outubro do mesmo ano, Gonzaga foi animar os leilões da festa de São Francisco.
Ele mesmo chamava os lances e quando alguém negava cobrir, cantava "sou
pão duro, vivo bem. Quem quiser que faça assim, como eu também". A
multidão caia na gargalhada. Estas festas, com participação importante do
cantor, arrecadaram muito dinheiro para a construção do Hospital São Francisco
e da Igreja de São Francisco.
Inaugurações
"Ele
obrigatoriamente transitava pelo Crato quando ia para Exu. Em 1951, inaugurou a
Rádio Araripe, junto com Januário e Zé Gonzaga. O mesmo aconteceu em 1959,
quando inaugurou a Rádio Educadora do Cariri. Antes disso, realizou o primeiro
Show da Exposição do Crato no Parque Pedro Felício. Ele foi um grande benfeitor
da Expocrato. Todo ano ele vinha", lembra o radialista Huberto Cabral.
Além
da exposição, Luiz Gonzaga realizou shows na Praça da Sé, no Crato Tênis Clube
e na AABB, alguns deles em festas importantes, como de Nossa Senhora da Penha.
Inclusive, o Rei do Baião compôs o "Baião da Penha", em homenagem a
padroeira cratense.
Lá,
também tentou empreender, plantando café na Chapada do Araripe, inclusive,
trazendo um agrônomo, mas não deu certo. Toda essa identificação com a cidade
lhe rendeu o título de Cidadão do Crato, em 1964, e a medalha Bárbara de
Alencar.
O
cantor visitava vários pontos da cidade, principalmente a feira livre. Gostava
de almoçar no restaurante Gaibú ou no Guanabara. Às vezes, tomar uma
cervejinha. "Se quisesse ver Luiz Gonzaga era vir à Praça Cristo Rei, toda
segunda-feira. Ele ficava sentado num banquinho bem baixinho, enquanto
engraxavam seu sapato, cumprimentando as pessoas. Mas, às vezes, era meio
turrão", conta o cantor João do Crato.
No
salão de beleza de José Alves, hoje com 91 anos, Luiz Gonzaga chegou a cortar o
cabelo umas seis vezes. Muitas crianças arrodeavam o artista enquanto aparava o
cabelo na máquina. "Ele gostava de cortar rebaixadinho. Um dia teve uma
briga aqui, no bar vizinho, um cara de Missão Velha, metido a valente, estava
bebendo e começou uma discussão. Houve um tiro e o Luiz Gonzaga correu e entrou
no banheiro do salão", recorda o cabeleireiro.
Amizade
Sempre
que ia ao Crato, Luiz Gonzaga se hospedava na casa do amigo Manoelito Parente.
A ligação começou desde os tempos de menino, no Exu, quando trabalhou na
Fazenda Manoçoba, apanhando algodão. O dono da plantação era o pai de Hilda
Parente, esposa de Manoelito. Depois que retornou, já consagrado "Rei do
Baião", o cantor retomou o contato e começou a amizade com a família.
"Quando vinha pra cá, ele começou a se arranchar lá em casa", conta
Hildelito Parente, músico e filho do casal Hilda e Manoelito.
"Meu
pai falou com ele quando a Igreja de São Francisco estava em construção. Eles
queriam que ele fizesse uma participação para tirar uma graninha para a igreja.
Quando meu pai soube que ele era de Exu, e minha mãe também era de lá, ele fez
o contato. Eles recordaram a amizade de jovens. Aí a amizade ficou mais
aproximada", completa.
Em
toda visita Luiz Gonzaga dormia na casa de Manoelito e Hilda Parente. A chegada
era uma festa para a família e vizinhos. O cantor pedia que os 11 filhos do
casal o chamassem de "Tio Lua". Após o jantar, havia a "hora da
função", onde cada garoto pegava seu instrumento e tocava meia hora forró.
Hildelito pegou gosto pela sanfona e Paulo, seu irmão, pela zabumba. Os dois
chegaram a acompanhar o Rei do Baião em alguns shows pelo Crato. O primeiro,
teve duas músicas gravadas por Luiz Gonzaga "Sou do Banco", e
"Bandinha de Fé".
Como
uma das maiores figuras do Nordeste, Luiz Gonzaga inspirou muitos artistas
locais, como o cantor e compositor Abidoral Jamacaru. "Eu cantava, não
como artista, mas como qualquer cidadão. Gostava de ouvir e cantar. Tocava na
gente. Falava da coisa que a gente era", conta. Enquanto o cantor João do
Crato criou um show em homenagem ao Rei do Baião. "Ele merece que a gente
tenha um olhar para obra dele de um modo geral. Ele conseguiu, um homem que
saiu daqui e furou os bloqueios artísticos. Naquela época, se exigia do artista
muito mais talento", garante João.
Inspiração
Mesmo
tento falecido há 28 anos, Luiz Gonzaga ainda inspira muitas pessoas, como o
menino Pedro Lucas Feitosa, 12, que criou o Museu Luiz Gonzaga, no distrito de
Dom Quintino, no município de Crato.
O
gosto pelo artista começou aos cinco anos, quando ouviu "Asa Branca"
na festa junina da escola. "Eu voltei pra casa cantando essa música e
minha tia ouviu. Eu errava a letra, ela completava. Aí, ela me deu um CD e MP3
e aprendi mais músicas. Era ouvindo todo dia", conta o estudante.
Em
2013, visitou o Parque Aza Branca, em Exu, e se inspirou no Museu de Luiz
Gonzaga e criou seu próprio museu aos oito anos. "Como aqui no Dom
Quintino não tinha nenhum ponto turístico, tornei a casa antiga da minha bisavó
o museu", explica. Lá, ele reúne objetos antigos, como rádio, ferramentas,
máquina de escrever, além, claro, de fotos, cartaz, jornais, folhetos, discos,
CDs do "Velho Lua". Tudo doado a partir da divulgação no rádio e TV.
Com
a repercussão, ele começou a receber materiais mais raros, da época em que o
cantor estava vivo, como jornais antigos, folhetos e um disco de cera. Estes,
no entanto, ele não expõe porque ainda não tem estrutura para colocá-los. Por
outro lado, Pedro Lucas sonha em, um dia, ganhar algum objeto que pertenceu ao
próprio Luiz Gonzaga. Mesmo assim, já recebeu, no último ano, cinco mil
visitantes. (Diário do
Nordeste)
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