O primeiro contato de José
Lourenço com a xilogravura foi
aos 13 anos, a partir do seu avô, Pedro Luiz
Gonzaga, que
cortava papel na Tipografia São Francisco.
FOTO: Antonio Rodrigues
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Juazeiro
do Norte.
A lira - instrumento de cordas nascido na Ásia e popular na Grécia Antiga -
inspirou Patativa do Assaré a rebatizar a Tipografia São Francisco de
"Lira Nordestina", uma das maiores editoras de literatura de cordel
do Nordeste. A gráfica foi este "instrumento" responsável por levar a
poesia do sertanejo para os quatro cantos do mundo. Dela, nasceu um celeiro de
xilógrafos juazeirenses que, até hoje, ilustram as capas dos folhetos e se
renovam nas suas oficinas.
Tudo
começou em 1932, época em que o Padre Cícero ainda era vivo, quando foi criada
a Folheteria Silva, a primeira gráfica de Juazeiro do Norte, que depois passou
a se chamar Tipografia São Francisco. A empresa tinha à frente o comerciante
alagoano José Bernardo da Silva, um grande incentivador da ilustração das capas
dos cordéis a partir da xilogravura. Ela foi vendida ao Governo do Estado em
1982, e passou a fazer parte do patrimônio da Universidade Regional do Cariri
(URCA) seis anos depois.
Há
dois anos e meio localizada no Centro Multiuso, a Lira Nordestina passou por
vários prédios, desde a antiga estação de trem, até o Centro de Artes, no
bairro Pirajá. Hoje, com coordenação artística do xilógrafo José Lourenço, 52,
o espaço recebe artesãos de todo Cariri para realizar suas impressões, além de
visitantes, estudantes e pesquisadores. A expectativa é que, um dia, ela possa
ter um museu, a Praça do Cordel e uma "cordelteca". "Estamos
precisando dar mais movimento a isso aqui", deseja José Lourenço.
O
primeiro contato de José Lourenço com a xilogravura foi aos 13 anos, a partir
do seu avô, Pedro Luiz Gonzaga, que cortava papel na Tipografia São Francisco.
Junto com seus irmãos, ele ficava varrendo a editora que, na época, ficava na
Rua Santa Luzia. Quatro anos depois, retornou a Juazeiro para trabalhar na
gráfica com a impressão dos cordéis, na época, com capas de Stênio Diniz e
Abraão Batista. No entanto, a demanda era grande e estes dois grandes
xilógrafos não tinham tempo para fazer todas as capas dos cordéis. O jovem José
Lourenço se viu obrigado a começar a rabiscar, enquanto seu patrão, o poeta
Expedito Sebastião da Silva, observava. No outro dia, um rapaz entregou um
cordel sobre casamento matuto e queria uma ilustração. O pagamento foi
adiantado. Surgiu a primeira de muitas xilogravuras de José: noivo de um lado,
noiva de outro, jumento no meio e árvore no fundo. "Nem gastei o dinheiro,
com medo de pedirem de volta", lembra o xilógrafo.
O
cliente gostou da capa e José Lourenço não parou mais. Passou a ser o novo
"gravador" da Lira Nordestina. De lá pra cá, muita coisa mudou. Seus
traços foram aprimorados, ele utiliza mais detalhes e ampliou o uso da
xilogravura para fora das capas dos cordéis. Hoje, elas estão em coleções
temáticas, capas de livros, chinelos, canecas e azulejos. "Até hoje é o
que me sustenta", garante.
Esta
renovação na utilização da xilogravura surgiu por meio de experiências,
inclusive, com outras tintas. Mas não parou por aí. Ele também utiliza a internet
para receber encomendas. "Me mandam uma imagem e já começo a fazer o
desenho", acrescenta. Para José Lourenço, a tecnologia potencializou a sua
arte e obrigou os xilógrafos a se reinventarem. "É uma forma de atrair o
jovem. Tem que ser usado para conseguir se manter", completa.
Mas
ele não esquece a influência dos xilógrafos que o inspiraram, como o próprio
Stênio Diniz. "Um dos maiores gravadores que já vi. Os traços, a
delicadeza, nunca vi igual. Ele me ajudou muito", exalta. Além dele outra
geração, como a de João Pereira e Antônio Baptista, dois juazeirenses, não é
esquecida. "A gente herdou esses traços, que queriam chegar muito perto da
fotografia. A gravura daqui é diferente da de Pernambuco", pontua.
Hobby
Sobre
a mesa do advogado Adriano Ferreira, 25, uma ilustração une os álbuns "The
Wall" e "The Dark Side of The Moon", da banda britânica Pink
Floyd. Ao lado, uma imagem do cantor Raul Seixas. Estas são algumas de suas
xilogravuras, um hobby pessoal desde 2009, quando aprendeu a talhar a madeira,
ainda no Ensino Médio, durante oficina ministrada pelo professor de Artes
Edilson Botelho.
Da
disciplina, Adriano começou a fazer, sozinho, seu autorretrato na madeira da
Imburana. Após contato com a Lira Nordestina, foi se inteirando da técnica.
"Lá é um espaço de refúgio, principalmente, para impressão das matrizes e
manter o contato com outros artistas", explica.
Após
alguns anos aprimorando, o advogado faz pequenos retratos para presentear.
Hoje, termina uma xilogravura pequena em um dia. No entanto, ele quer fazer
numa perspectiva mais das artes plásticas, com tamanhos acima de 60
centímetros. Estas, levam cerca de seis meses para serem concluídas.
"A
prioridade sempre foi o entretenimento. Alguns já fiz por encomendas, no
sentido de comercializar. Hoje, busco uma perspectiva mais artística, de
acervo, produzir álbuns para exposições e até comercialização. Quase todas que
fiz eram avulsas. Mas quero fazer álbum, várias xilogravuras com um tema
específico", imagina Adriano. Ele acrescenta que o contato que teve em
eventos, que trouxeram pessoas de vários lugares do mundo, foi importante para
conhecer outras perspectivas na gravura de madeira.
Nova
geração
Já
o estudante Francisco Bruno da Silva, 26, tornou a xilogravura um trabalho
profissional. Além da arte na madeira, ele também produz cordéis e dá oficinas
em vários lugares. Apesar de pouca idade, há mais de dez anos desenha e talha.
Tudo começou em 2006, quando tinha 15 anos e foi convidado para uma oficina ofertada
pela Universidade Regional do Cariri (Urca). De um grupo de 20 alunos
participantes, ele foi o único que continuou. "A Lira Nordestina me deu
uma força. A partir daí comecei e consegui vender", lembra.
O
cordel é uma tradição familiar. Como sua vó gostava muito de cantoria de viola,
Bruno foi acompanhando e criando vontade de escrever seus primeiros versos.
"Algo mais autodidata", complementa. Atualmente, ele carrega no
currículo exposições e coleções, em sua maioria, temas ambientais. Pássaros,
peixes e árvores ganham vida nas mãos do xilógrafo, que divide seu tempo com o
curso de Biologia, na Urca. "Nos últimos cinco anos, estou talhando mais
capa de cordel", confessa.
Bruno
acredita que a xilogravura vem se renovando dentro das várias oficinas. Inclusive,
o curso de Artes Visuais da Urca oferece, dentro de uma disciplina, aulas da
arte na madeira.
"Têm
surgido novos traços. O pessoal do curso de Artes tem contribuído, mas as
pessoas que fazem oficinas trazem um sangue novo, uma estética nova, com gravuras
coloridas. É uma arte perene, não tem como acabar. Se de cada oficina, com 20,
30 pessoas e ficam um, é muito bom", declara.
Este
também é o pensamento de José Lourenço, que pretende ampliar as oficinas
realizadas na Lira Nordestina, fazendo parcerias, principalmente, com escolas
públicas. "Tenho feito alguns trabalhos, mas isolados, sem ganhar nada. A
gente vê a carência dos alunos. Hoje, é preciso entrar na universidade para
saber o que é a Lira Nordestina. A gente quer começar das crianças. Atingir o
povão", conclui.
Fique
por dentro
Como
a arte chegou ao Cariri cearense
A
xilogravura - arte de gravar em madeira - tem origem provável na China do
século VI, mas na Idade Média ela se firma no ocidente. Com a difusão em
diversos países no século XIX, ela diminuiu o custo da produção de livros
ilustrados e cresceu em todo o mundo. No Brasil, chegou com o contato entre a
cultura local e portuguesa, mas no Nordeste ela se ampliou e formou diversos
xilógrafos.
Em
Juazeiro do Norte, José Bernardo da Silva foi a figura responsável por
difundir. Nascido em 1901, natural de Palmeira dos Índios (AL), o comerciante
foi mais um romeiro atraído pela figura do Padre Cícero. Veio morar no Cariri
em 1926. Na mala, trouxe alguns folhetos de cordel que tiveram bastante
receptividade na cidade. Daí, começou a imprimir, após adquirir uma máquina de
pedal. Posteriormente, instalou a Tipografia São Francisco, que se tornou um
dos maiores polos editoriais dos folhetos no Nordeste.
Mais
informações:
Gráfica
Lira Nordestina - Centro Multiuso -Rua Interventor Fco Erivano Cruz, 120 -
Matriz
Telefones:
(88) 3102-150 / 99805-0281
(Diário do Nordeste)
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