O `senadinho´, o café e as histórias da Cinelândia. FOTO: Arquivo Pessoal-Francisco Mourão
Existiu um lugar no coração do Crato por onde muitas personalidades passaram, disputas políticas se deram, rapazes e moças namoraram e histórias sem fim aconteceram. Presidentes, senadores, governadores, grandes músicos e personalidades das artes marcaram presença e ao que dizem, Rachel de Queiroz e Luiz Gonzaga não perdiam uma oportunidade de estar por ali.

Quando fechou as portas, em 2007, a comoção foi tamanha que até o nome do IPHAN do ventilado e hoje é praticamente impossível falar sobre a vida noturna cratense, do auge da praça Siqueira Campos, do Cine Cassino e do calçadão sem ouvir alguma memória saudosista resgatar a Cinelândia do Crato.

Em local privilegiado, a Cinelândia reunia políticos, empresários, trabalhadores, moças e rapazes, mães e pais de família. Não era um clube, uma casa noturna, um teatro ou lounge. Funcionava das 6h às 2h, lotava após as sessões do Cine Cassino e do Cine Moderno, quando todas as suas mesas eram ocupadas por casais de namorados, e se transformava num inferninho em qualquer data especial no município.

Sem firulas ou atrações, vendia café, cigarro, suco, cerveja, sorvete, lanches e caldo. À noite, a taça de sorvete só não era mais disputada do que o suco de cajá que, por sua vez, só perdia para o café do maquinário paulista. Tudo feito na casa.

Instalado no piso do Grand Hotel, erguido em 1945, cada detalhe visual da Lanchonete e Bar Cinelândia denuncia o ano em que suas portas abriram. O tom de azul dado pelos azulejos cobrindo apena metade da parede, o balcão estilo americano de madeira, aço e vidro deixando a mostra produtos estocados, o piso de cerâmica vermelha e as mesas e cadeiras tão tradicionais aos anos 1970.

Ao entrar, frequentemente o visitante se deparava com um balcão disputado logo próximo ao maquinário do café e, do lado oposto, uma mesa marcada pela placa “Canto do Senadinho”.

Era o local da “Diretoria”, dos patriarcas, dos homens públicos, das opiniões e decisões políticas, onde as horas discutindo os mais diversos assuntos regados à cerveja passavam num piscar de olhos. Todas as notícias chegavam primeiro ali.

Por trás do balcão, os irmãos Francisco e Genésio Rodrigues Mourão, naturais de Nova Russas, empregavam a experiência adquirida com os anos no Rio de Janeiro e cativavam freguês após freguês. A Cinelândia foi o sonho de suas vidas.

Por pouco a lanchonete não foi parar no Juazeiro, Francisco, o “Françuá”, revela. Mas o projeto era grande demais para o baixo movimento na cidade do Padre. Em Crato, dominaram o Calçadão e fizeram nome em todas as classes.

“Fomos o ponto de encontro no Crato. Todo mundo conhecia a lanchonete”, ele diz com orgulho nos olhos. “Nós tínhamos equipamentos que não existia por aqui ainda. Imagine o agito que não foi, logo no começo, quando colocamos uma refresqueira automática no balcão ou a máquina de café, a chapa industrial para preparar sanduíches. O pessoal gostava demais disso tudo”.

E quando a novidade passou, o apego ao local já estava firme. “Os fregueses já eram entrosados e o clima sempre foi de muita alegria e amizade. Quando acontecia uma ‘dor de cabeça’ – você sabe, em bar sempre tem –, a gente logo resolvia”, Françuá lembra.

Mas em 2007 um conflito imobiliário antecipou a aposentadoria dos irmãos Mourão que, já nos 50 de idade, precisaram baixar o portão da lanchonete pela última vez, deixando para a memória 34 anos da lanchonete que viu o Crato se transformar.



Aos 66 anos, Francisco Rodrigues Mourão, o "Françuá", dono da antiga Cinelândia, diz sentir falta daquela época. FOTO: Alana Soares
Hoje, gozando da merecida aposentadoria, Françuá gasta as manhãs jogando dominó e trocando figuras com os velhos amigos na praça Siqueira Campos, enquanto o irmão Genésio ainda tem uma mercearia no Pimenta.

Logo em frente à praça, na rua Dr. João Pessoa, não se vê nenhum resquício do que foi seu sonho e projeto de vida. No lugar da Cinelândia, do Grand Hotel e da galeria que foi o calçadão, agora há uma franquia padronizada de eletroeletrônicos.

“A saudade sempre bate quando olho ali”, admite sem pressa. “É impossível não sentir, não é? Foram tantos anos, tantos momentos. Quem viveu essa época vai lembrar”.  (Site Miséria)

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