Oficinas de ferro começam a trabalhar por volta de 2 horas da manhã
e vão até as 11h. FOTO: Antonio Rodrigues
Potengi. De longe, as pancadas dos martelos e marretas no ferro ressoam madrugada a dentro na Vila Central. O som é naturalmente percebido por quem transita nas CE-292. Conhecida como "a cidade que não dorme", pela grande quantidade de ferreiros que trabalham antes do raiar do dia, o Município fez do trato com a liga metálica uma importante alternativa de economia para os moradores. Foices, enxadas, facas, chibanca, são algumas das peças fabricadas por lá. No entanto, o número de oficinas diminuiu mais da metade nos últimos anos.

Com pouco mais de 10 mil habitantes, Potengi se notabiliza também pela cultura popular, onde nasceu o tradicional Reisado dos Caretas de Couro, do mestre Antônio Luiz, ou nas peças de flandres do mestre Françuli. Mas é a batida alternada dos ferreiros que sustenta muitos moradores e leva, através das peças, o nome do Município para o Maranhão, Piauí, Tocantins, Paraíba e Pernambuco.

A rotina começa às 2h da madrugada. Primeiro, colocam a peça no fogo para que a liga metílica fique mole, capaz de ser moldada. Com uma espécie de pinça, retiram das chamas e, em duplas, começam as marteladas alternadas que dão a cara ao objeto. Restos de ferro quente muitas vezes caem sobre os pés dos trabalhadores que rapidamente se esquivam para não se machucar. O barulho dentro das oficinas é ensurdecedor e ecoa pelas ruas. Após esfriar, um esmeril é usado para amolar os objetos.

As batidas vão até às 10h30, 11h. Depende de quanto o corpo aguentar, já que os ferreiros não ganham um salário fixo. Todos são pagos por produção, ou seja, quanto mais peças produzirem, maior será o valor entregue pelo patrão. O horário pouco habitual de trabalho foi escolhido porque a temperatura é bem mais baixa. "Na parte da tarde, não trabalha porque é quente demais. Não tem quem aguente", explica Expedito Severino da Silva, de 58 anos, destes, 27 dedicados ao ferro.

Inverno
Expedito, natural de Assaré, chegou em Potengi aos 8 anos e conta que, naquela época, já havia um grande número de ferreiros. "Para nós, a agricultura não compensa. Aqui, a gente tira diariamente. Tem tempo que está mais fraco, outros um pouco melhor". A partir de agosto, as vendas aumentam porque é o período em que os agricultores começam a preparar a roça para o "inverno" - tempo em que a foice e roçadeira são aproveitadas.

É um trabalho pesado. Entre o forno e as batidas, os ferreiros fazem pequenos intervalos para tomar um café, fumar um cigarro. Conversar é difícil pelo barulho. "Já acostumei. Antes, usava um tampão no ouvido, mas ficava agoniadinho quando estava conversando. Hoje, eu escuto coisa pouca", admite Expedito. "Eu chego em casa enfadado, descanso o resto da tarde. Durmo mais cedo e acordo 1h30", explica.

Na oficina de Genival Ferreira, 45, ele consegue fabricar de 24 a 30 peças com a ajuda de outro homem. O preço delas varia de R$ 12 a R$ 25. Normalmente, ele vende para o Piauí e para Juazeiro do Norte. Daí são revendidas para outros lugares. O próprio ferreiro faz questão de viajar para o estado vizinho e deixar seus produtos. Além das ferramentas, revende artesanato da Terra do Padre Cícero para complementar a renda. "Se for viver só de ferro, o cara morre de fome", garante.

A crise econômica afetou os ferreiros de Potengi fazendo muitas oficinas fecharem as portas. Francisco Pereira da Silva, dono de uma oficina, conta que largou o serviço de pedreiro para apostar no trabalho com a liga metálica e deu certo. No entanto, o preço do quilo de ferro subiu de R$ 2,50 para R$ 4, tornando o negócio menos lucrativo. "A crise afetou muito. Antigamente as coisas eram mais fáceis. Abalou todo mundo, grandes e pequenos", conta. A matéria prima costuma vir de cidades médias como Iguatu.

Museu
A tradição das oficinas em Potengi não é tão antiga. O ferreiro Raimundo Vanderlei Leite conta que os primeiros profissionais migraram de Juazeiro do Norte com o crescimento da Terra da Padre Cícero em indústrias e comércios. "Acabou ficando aqui bem perto", afirma. No caso dele, herdou o trabalho do seu pai que veio junto com seu tio da Paraíba e acabou se estabelecendo no Cariri cearense. Essa história deve ser contada no Museu dos Ferreiros, um projeto da Associação de Ferreiros do Município, que está pleiteando criar o equipamento no prédio do antigo matadouro.

Um problema grave afeta os moradores de Potengi: o pó do carvão. Como as oficinas estão inseridas, em sua maioria, na zona urbana, os fornos que queimam a liga metálica acabam poluindo o ar com a "puagem". "O pó vai para dentro das casas. Tenho uma filha que sente problema de garganta por causa do carvão. Tem dia que lava a casa e daqui a duas horas passa o pano e já sai preto, assim como a saliva", conta o agricultor Firmino.

Para ele, o ideal seria as autoridades deslocarem as oficinas para fora da cidade. Isso chegou a ser pleiteado pela Associação dos Ferreiros com a criação de um grande galpão que abrigaria todos os trabalhadores, mas isso, até agora, não avançou.      (Diário do Nordeste)

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