O Sertão foi retratado de forma lúdica
no lookbook da coleção inspirada na Fundação
Casa Grande. A equipe deve retornar
à ONG em dezembro
Seja pela estética de seus artistas ou pelo poder transformador de projetos sociais, o sul do Ceará se torna inspiração para a moda, tanto local como nacional. É o caso da coleção "La Femme", do estilista cearense Iury Costa, lançada em julho e que acaba de chegar às lojas em Fortaleza.

Foram as formas que sugerem uma silhueta feminina da obra "La Femme Beateau", a "Mulher Barco", do artista cratense Sérvulo Esmeraldo, que deram o direcionamento da criação das novas peças.

A escultura, de 1994, sugere uma figura feminina e é uma das poucas criações figurativas do artista, que trabalhava com formatos abstratos. "Durante minhas pesquisas e minha imersão dentro do universo do Sérvulo, cheguei até à história da inspiração da escultura. Aí eu conectei isso com uma vontade minha de fazer uma coleção que falasse de mulheres livres, mulheres fortes e que vão em busca da sua liberdade", revela o estilista Iury Costa.

Com apoio e ajuda de Dodora Guimarães, viúva de Sérvulo e curadora do acervo dele, Iury pôde estabelecer um vínculo com sua inspiração. "A obra La Femme foi traduzida através da leveza, da liberdade, das cores... A estampa, que é um camuflado, usa a forma, o desenho original da escultura sobreposto como se estivesse ao vento", detalha o estilista cearense.

Buscando criar a partir de referências de sua própria história, Iury reforça a importância da moda ser uma ferramenta de expansão da cultura. "É interessante conectar a marca às raízes da nossa cidade e também à minha história. Algumas memórias são da minha infância, quando a gente visitava museus em passeios da escola, que na época pareciam ter mais cuidado e hoje estão esquecidos e sem nenhuma manutenção. Então, acho que é um dever e uma vontade minha, é como se tivesse fazendo a minha parte".

Casa Grande
Além da arte de Sérvulo, a região do Cariri também inspirou outra marca de moda, mas dessa vez por seu aspecto social. As ideias que permeiam a Fundação Casa Grande, ONG sediada em Nova Olinda voltada à formação educacional de crianças e jovens, foram traduzidas em roupas infantis da marca carioca Fábula, na coleção Festejo.

Marta Rodrigues, diretora criativa da marca, conta que conheceu o trabalho da Fundação há muito tempo, por meio de uma matéria sobre a bandinha de lata Us Cabinha, um dos marcos do trabalho da entidade. O desejo de conhecer a transformação social que acontecia na microrregião se concretizou em 2017. "Fiz uma viagem com a Fernanda Massotti, ilustradora que assina as estampas desta coleção, em fevereiro de 2017. Nesta viagem, fiz laços de amizade e mantive contato até que em 2018 retornamos para mostrar às crianças o resultado da pesquisa e registramos esse reencontro no curta 'Festejo', que está sendo finalizado agora", comenta.

O curta foi dirigido por Nina Becker, que também assinou as fotos do lookbook, e mostra as belezas que Marta viu na casa e transformou em roupas. "Fazer esse filme foi uma experiência poética, na qual em vez de falar das roupas, falamos dos mestres, da Casa Grande, das crianças e da cultura deslumbrante do Cariri", revela Nina.

Expressão ao vestir
O encontro com os mestres, aliás, foi determinante durante o processo de produção da coleção. Nas peças, estão presentes xilogravuras de José Lourenço (criadas em parceria), as bonecas de dona Valquíria, a entrada e parte do acervo da Casa Grande, os instrumentos d'Us Cabinha, os fósseis de Santana do Cariri, o tear de Dona Dinha.

"Aprendi mais lá que em toda a minha vida o que é generosidade", relembra a diretora criativa.

A cultura, aliás, tem sido pauta de diversas discussões recentes após a tragédia no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. E a moda, ainda mais a infantil, pode também ser um agente de reflexões nesse sentido. "Você veste como sente, como pensa e assim passa sua mensagem pro mundo. A cultura brasileira é a maior inspiração da Fábula, desejamos influenciar as novas gerações a olhar pra dentro e não se basear em modelos americanizados ou eurocêntricos", reforça Marta Rodrigues.

O acesso a expressões culturais e a autonomia dada a crianças e jovens na Fundação Casa Grande também foram fonte de material para a criação das peças. "A Fábula cria roupas com a maior variedade possível de cores e padrões, justamente para não criar nenhum padrão de certo ou errado. Misturamos tudo e incentivamos a liberdade de escolha e de expressão ao vestir. É roupa pra criança brincar. Fazendo um paralelo com a Casa Grande, em termos de oferecer acesso a muitas expressões culturais e fontes de conhecimento e de experimentação, sempre no exercício do brincar, seguimos a mesma filosofia", finaliza Marta.   (Diário do Nordeste)

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