O Sertão foi retratado de forma lúdica no lookbook da coleção inspirada na Fundação Casa Grande. A equipe deve retornar à ONG em dezembro |
Foram
as formas que sugerem uma silhueta feminina da obra "La Femme
Beateau", a "Mulher Barco", do artista cratense Sérvulo
Esmeraldo, que deram o direcionamento da criação das novas peças.
A
escultura, de 1994, sugere uma figura feminina e é uma das poucas criações
figurativas do artista, que trabalhava com formatos abstratos. "Durante
minhas pesquisas e minha imersão dentro do universo do Sérvulo, cheguei até à
história da inspiração da escultura. Aí eu conectei isso com uma vontade minha
de fazer uma coleção que falasse de mulheres livres, mulheres fortes e que vão
em busca da sua liberdade", revela o estilista Iury Costa.
Com
apoio e ajuda de Dodora Guimarães, viúva de Sérvulo e curadora do acervo dele,
Iury pôde estabelecer um vínculo com sua inspiração. "A obra La Femme foi
traduzida através da leveza, da liberdade, das cores... A estampa, que é um
camuflado, usa a forma, o desenho original da escultura sobreposto como se
estivesse ao vento", detalha o estilista cearense.
Buscando
criar a partir de referências de sua própria história, Iury reforça a
importância da moda ser uma ferramenta de expansão da cultura. "É
interessante conectar a marca às raízes da nossa cidade e também à minha
história. Algumas memórias são da minha infância, quando a gente visitava
museus em passeios da escola, que na época pareciam ter mais cuidado e hoje
estão esquecidos e sem nenhuma manutenção. Então, acho que é um dever e uma
vontade minha, é como se tivesse fazendo a minha parte".
Casa
Grande
Além
da arte de Sérvulo, a região do Cariri também inspirou outra marca de moda, mas
dessa vez por seu aspecto social. As ideias que permeiam a Fundação Casa
Grande, ONG sediada em Nova Olinda voltada à formação educacional de crianças e
jovens, foram traduzidas em roupas infantis da marca carioca Fábula, na coleção
Festejo.
Marta
Rodrigues, diretora criativa da marca, conta que conheceu o trabalho da
Fundação há muito tempo, por meio de uma matéria sobre a bandinha de lata Us
Cabinha, um dos marcos do trabalho da entidade. O desejo de conhecer a
transformação social que acontecia na microrregião se concretizou em 2017.
"Fiz uma viagem com a Fernanda Massotti, ilustradora que assina as
estampas desta coleção, em fevereiro de 2017. Nesta viagem, fiz laços de
amizade e mantive contato até que em 2018 retornamos para mostrar às crianças o
resultado da pesquisa e registramos esse reencontro no curta 'Festejo', que
está sendo finalizado agora", comenta.
O
curta foi dirigido por Nina Becker, que também assinou as fotos do lookbook, e
mostra as belezas que Marta viu na casa e transformou em roupas. "Fazer
esse filme foi uma experiência poética, na qual em vez de falar das roupas,
falamos dos mestres, da Casa Grande, das crianças e da cultura deslumbrante do
Cariri", revela Nina.
Expressão
ao vestir
O
encontro com os mestres, aliás, foi determinante durante o processo de produção
da coleção. Nas peças, estão presentes xilogravuras de José Lourenço (criadas
em parceria), as bonecas de dona Valquíria, a entrada e parte do acervo da Casa
Grande, os instrumentos d'Us Cabinha, os fósseis de Santana do Cariri, o tear
de Dona Dinha.
"Aprendi
mais lá que em toda a minha vida o que é generosidade", relembra a
diretora criativa.
A
cultura, aliás, tem sido pauta de diversas discussões recentes após a tragédia
no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. E a moda, ainda mais a infantil, pode
também ser um agente de reflexões nesse sentido. "Você veste como sente,
como pensa e assim passa sua mensagem pro mundo. A cultura brasileira é a maior
inspiração da Fábula, desejamos influenciar as novas gerações a olhar pra
dentro e não se basear em modelos americanizados ou eurocêntricos",
reforça Marta Rodrigues.
O
acesso a expressões culturais e a autonomia dada a crianças e jovens na
Fundação Casa Grande também foram fonte de material para a criação das peças.
"A Fábula cria roupas com a maior variedade possível de cores e padrões,
justamente para não criar nenhum padrão de certo ou errado. Misturamos tudo e
incentivamos a liberdade de escolha e de expressão ao vestir. É roupa pra
criança brincar. Fazendo um paralelo com a Casa Grande, em termos de oferecer
acesso a muitas expressões culturais e fontes de conhecimento e de
experimentação, sempre no exercício do brincar, seguimos a mesma
filosofia", finaliza Marta.
(Diário do Nordeste)
Postar um comentário