O povo tapeba tem cerca de 8 mil indivíduos no Ceará,
concentrados
no município de Caucaia. FOTO: FABIANE DE PAULA
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Foi
já no primeiro dia do ano, o presidente Jair Bolsonaro decretou, através de
medida provisória, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não mais tem a
função de identificar e demarcar terras indígenas no Brasil. Agora, o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem essa atribuição,
um velho interesse de empresas do agronegócio e da bancada ruralista do
Congresso, segundo defensores dos direitos dos índios. No Ceará, lideranças
desses povos estão apreensivas com as mudanças e argumentam pela preservação
dos territórios.
Juliana
Alves, conhecida como a Cacique Irê dos Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, lamenta
que, frequentemente, o espaço territorial dos povos indígenas esteja sendo
"violado e retirado das nossas mãos". "A Terra, para nós, é uma
mãe; ela tem uma simbologia muito forte. A terra deve ser respeitada e
cultivada para o bem, mas, a cada dia que passa, a gente não está tendo isso.
Nossos direitos estão sendo derrubados inclusive os previstos na Constituição
Federal", destaca.
Está
lá no artigo 231, desde 1988: são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
e por eles habitadas "em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural".
No
Ceará, apenas um dos 25 territórios indígenas teve a demarcação finalizada: o
Córrego João Pereira, do povo Tremembé, localizado nos municípios de Itarema e
Acaraú. O decreto homologatório saiu em 2003. Os outros estão em fases variadas
do processo.
A
demarcação da Lagoa da Encantada, dos Jenipapo-Kanindé, por exemplo, permaneceu
num limbo entre 2011 e 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou
recurso contra a demarcação movido por uma empresa.
Hoje,
conforme a Cacique Irê, a comunidade tem a terra como garantida e aguarda
apenas a oficialização do território como terra da União, "embora a gente
saiba que, diante da conjuntura política atual, vai ser muito difícil. Mas
enquanto há fé, há esperança, e a gente conta muito com os nossos encantados,
os nossos ancestrais, para que esse novo ciclo possa ter mudanças",
projeta a líder.
Para
o advogado Weibe Tapeba, que carrega no nome a tribo com cerca de 8 mil índios,
em Caucaia, a maior preocupação hoje é com as "ameaças" do presidente
em rever demarcações já feitas.
"Como
são regularizadas por ato administrativo, elas podem estar sendo revistas pelo
Governo Federal. Se o presidente implementar alguma revisão de terras já
homologadas, cabe aos povos indígenas e organizações ingressarem judicialmente
para manter os direitos consolidados", explica.
Em
resposta à medida provisória, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib) protocolou representação junto à Procuradoria-Geral de Justiça pedindo a
suspensão de trechos da decisão, bem como apurar eventual "ofensa aos
direitos culturais dos povos indígenas". "A nossa luta é secular e
vamos pagar com a nossa própria vida, mas vamos continuar de pé", declarou
Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.
História
A
Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Funai, também
divulgou carta aberta criticando as mudanças. Em âmbito estadual, segundo Weibe
Tapeba, a orientação é que povos e entidades parceiras ingressem com ações
populares contra as medidas.
"Indígena
no Brasil é um termo não muito bem compreendido. Na cabeça de grande parte da
população, ele ainda está associado ao primitivismo, mas a gente tem uma
diversidade muito forte. Ser indígena é manter laços de cultura, tradição,
festa, história e oralidade a partir desse rico patrimônio", defende. (Diário do Nordeste)
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