Secretária
nacional dos direitos da Pessoa com Deficiência, Priscilla Roberta Gaspar de Oliveira |
Nos
últimos anos, as vendas de automóveis para esse público cresceram
substancialmente, tanto porque novos grupos foram contemplados, como os não
condutores —pais de crianças com autismo ou síndrome de Down, por exemplo—,
como porque cresceu a oferta de modelos.
Segundo
a secretária, “a isenção de impostos atinge parcela pequena de pessoas com
deficiência, dado o perfil socioeconômico dessa população. Dados do Censo IBGE
2010 apontam que a maioria das pessoas com deficiência [65,9%] tem renda de até
dois salários mínimos, sendo que 9,6% não têm renda alguma proveniente do
trabalho”.
Ainda,
de acordo com Priscilla, que é surda e especialista em educação, “considerando
de forma global e sob a ótica de política pública, as isenções para aquisição
do automóvel atingem uma parcela de privilegiados dentro do grupo de pessoas
com deficiência”.
De
acordo com um estudo realizado pelo consultor Renato Baccarelli, especialista
em veículos acessíveis, em 2016, foram vendidos com renúncia fiscal para público
com deficiência 139 mil veículos, saltando para 187 mil, em 2017 e 264 mil, em
2018.
Para
William Coelho, o Billy Saga, líder do Movimento Superação, uma das
organizações civis mais representativas da pessoa com deficiência em São Paulo,
a avaliação da secretária é equivocada.
“É
um absurdo despir um santo para cobrir o outro. Trata-se de um instrumento
claramente útil. A grande maioria das pessoas com deficiência não tem como sair
de casa a não ser com o apoio de um carro acessível, pois os governos não
cumprem com sua parte de oferecer um transporte público pleno e efetivo para
todos. É desonesto e injusto atacar esse benefício considerando-o um
privilégio”, afirma Billy.
Priscilla
relativiza sua fala, porém, quando coloca a pessoa com deficiência no universo
dos consumidores como um todo.
Na
sua avaliação, a deficiência tem um custo para a promoção da equiparação de
oportunidades. Quando comparados os públicos com e sem deficiência, “nesse
sentido, não seria um privilégio”.
A
secretária nega que, “num primeiro momento”, esteja nos planos do governo de
Jair Bolsonaro acabar com a isenção fiscal, que pode abater cerca de 20% do
valor do veículo considerados abatimento de IPI e ICMS, mas considera
necessárias mudanças, entre as quais um modelo mais completo de avaliação
—biopsicossocial— de quem pode acessar o benefício.
“É
fato que há pessoas que hoje acessam a isenção que não são pessoas com
deficiência no conceito da Convenção Mundial da ONU e da Lei Brasileira de
Inclusão, e a suspeita é que muitas das pessoas beneficiadas estejam nessa
situação. Portanto, o benefício fiscal não está focalizado, em termos de
políticas públicas, o que afeta a distribuição dos impostos para todos.”
Ela
completa: “Ressalto que, para o poder público, é necessário elencar prioridades
e pensar em políticas que atendam o maior número de pessoas com maior
eficiência e eficácia”.
E
continua: “É uma demanda de uma parcela pequena do grupo de pessoas com
deficiência, que estão em situação socioeconômica privilegiada em relação à grande
maioria das pessoas com deficiência, que muitas vezes têm dificuldade em manter
o básico para sobreviver. Não quero dizer que isso invalide essa demanda, mas é
preciso refletir que, em um contexto de escassez de recursos e restrição
fiscal, é preciso repensar as prioridades”.
A
jornalista Fabíola Pedroso, 33, que é cadeirante e comprou seu primeiro carro
com isenção há dois anos, afirma que vive o “ápice de sua independência”.
“Digo
a todas as pessoas o poder que o carro dá para as pessoas com deficiência. Hoje
em dia, vou para onde quero, a hora em que eu determino. Se a isenção de
impostos não existisse, isso seria quase impossível, porque ter uma deficiência
implica ter diversos gastos. Ter um carro é, sim, uma coisa cara, que devemos
planejar por muito tempo até conseguir, mas não me sinto privilegiada por ter
isenções. É um direito conquistado para que a gente chegue lá.”
Segundo
ela, “penamos com cargos menores e salários menores em diversas funções. Juntei
dinheiro por muitos anos para esse sonho [comprar o carro] e, mesmo assim, tive
que parcelar em 64 vezes. Não enxergo onde o privilégio poderia estar nesse
caso e no de muitas outras pessoas”.
A
senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica, defende o direito à
isenção.
“Direito,
inclusive, que há muito tempo as próprias pessoas surdas buscam o
reconhecimento, pois, apesar de não terem mobilidade reduzida, também sofrem
pela ausência de acessibilidade nos transportes”, afirma.
A
senadora aponta que, segundo a legislação (Decreto 5.296/2004), desde dezembro
de 2014 o sistema de transportes e infraestrutura urbana do Brasil deveria
estar acessível. “Enquanto o poder público não cumpre a lei, ele é sim obrigado
a arcar com esse custo e suprir a ausência de mobilidade que o próprio governo
não oferece”, diz.
ISENÇÕES DE IMPOSTOS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
IPI - imposto federal
Lei
8989, de 1995
Não
impõe limite de valor, mas o automóvel precisa ser produzido no Brasil
Pessoas
com deficiência condutoras ou não, além de outros grupos, têm o direito de
requerer o benefício
Avaliação
se dá a partir de laudo médico
Veículo
pode ser transferido a cada dois anos
ICMS - imposto estadual
Convênios
entre as secretarias da Fazenda de todos os estados da federação renovado
periodicamente desde 2007
Impõe
limite de valor até R$ 70 mil para a compra
Pessoas
com deficiência condutoras ou não, além de outros grupos, têm o direito de
requerer o benefício
Avaliação
se dá a partir de laudo médico
Veículo
pode ser transferido a cada quatro anos
*Há
estados que também dão o benefício de isenção do IPVA
Fonte: Receita Federal, Secretaria da Fazenda de SP (Folha de São Paulo)
Fonte: Receita Federal, Secretaria da Fazenda de SP (Folha de São Paulo)
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