FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
Com
origem no fim do século XIX na Europa, o ladrilho hidráulico é um tipo de
revestimento artesanal feito à base de cimento, cuja utilização era comum em
pisos e paredes de praças e casas. Diferentemente da telha e do tijolo que são
levados ao forno, a peça, depois de preparada, descansa por 24 horas e é
submergida na água por mais oito horas, até ficar armazenada por mais alguns
dias na sombra. Um trabalho manual, cansativo.
Este
ofício, Jaime carrega desde os 17 anos quando saiu do sítio Venhaver, na zona
rural de Barbalha, e começou a trabalhar na pequena fábrica de mosaicos fundada
em 1956. Inicialmente, foi registrado como "prensista". "Eu era
servente por seis meses, depois fui aprender", lembra. Na época, os
ladrilhos viviam seu auge. A procura era grande. "Era um rojão danado.
Muito serviço. Mas o cara novo tem que ter muita disposição. Aguentei lá,
porque eu morava no sítio e era pior".
A
crescente procura por ladrilhos hidráulicos acontecia, pois estes seguiam uma
nova tendência: a utilização de cores. As formas, que criam imagens nos chãos e
paredes, foram fabricadas por um metalúrgico francês e trazidas de São Paulo. O
sucesso fez o empresário João Gonçalves abrir uma nova filial em Brejo Santo,
em 1963, que atenderia aos municípios vizinhos e também aos clientes da Paraíba
e de Pernambuco. "Fui pra lá com mais oito rapazes e cinco prensas",
recorda Jaime. O empreendimento durou pouco tempo, pois, parte do prédio acabou
desabando no ano seguinte.
A
chegada da cerâmica prejudicou as vendas de mosaico, principalmente, por ser
comprado por um preço menor. "Foi ela que derrubou o negócio. Chegou
barata, bonita. Caíram em cima", lembra. A fábrica de ladrilhos de João
fechou em 1979. Foi aí que Jaime largou o cimento e foi trabalhar como vendedor
crediarista de roupas. "Saía vendendo roupa aqui nos sítios. Me danava com
a mercadoria nas costas e saía a pé", lembra.
Em
1982, as pessoas voltaram a procurar Jaime para recuperar os pisos de ladrilhos
feitos há mais de 40 anos. Todas as antigas fábricas haviam fechado. "Uma
mulher, de Sousa (PB), chegou aqui e pediu pra eu fazer. Não queria. Aí começou
a chorar", conta. A comoção trouxe o construtor de volta ao mosaico. "Daí
pra frente, apareceu foi gente. Quando souberam que eu estava fazendo, veio
gente até de Belém do Pará", completa.
Seu
Jaime comprou terreno, as prensas e os moldes de seu antigo patrão e montou sua
própria fábrica. Suas peças estão presentes em Brasília (DF) e em estados como
Paraíba, Pará, Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte. Pai de 11 filhos, foi
assim que conseguiu manter toda a família. Contudo, apenas o quinto deles,
Cícero José Rodrigues, 48, conhecido com Vando, herdou o gosto pela produção do
piso artesanal.
Herança
Apesar
de fazer outros serviços como pintor e servente de pedreiro, foi pelo ladrilho
que Vando criou gosto e começou a trabalhar, efetivamente, em 1994, na oficina
do pai, construída no quintal de sua casa. "Pra mim, não é difícil. Hoje,
eu faço todas as peças. Nem todos fazem tudo. A tinta, o mosaico, o material.
Não posso deixar acabar. Sempre tem uma pessoa pra levar o negócio",
explica.
O
filho herdou de Jaime a "receita" secreta para a produção das tintas
e da "pedra" como chama o próprio artesão. Os
"ingredientes" ele revela, mas a forma de fazer mantém em sigilo.
Vando continua recebendo encomendas enquanto seu pai, aposentado, se mantém
longe do cimento para preservar sua saúde.
Dependendo
do modelo da peça, podem ser feitas até 150 por dia. As mais complexas, apenas
quatro, porque possuem muitos detalhes. Recentemente, a Fábrica de Ladrilhos de
Barbalha recebeu pedidos de uma igreja em Sousa (PB), de uma casa na Lagoa
Seca, em Juazeiro do Norte, e do próprio projeto do Teleférico do Caldas, com
mais de 320 metros quadrados.
Reconhecimento
A
casa de Jaime foi escolhida pela Fundação Casa Grande e pelo Sesc-CE para
receber uns dos 16 museus orgânicos que serão instalados pelo Cariri. Dois
deles já foram inaugurados em Potengi: o Museu Orgânico do Mestre Antônio Luiz,
líder do reisado dos Caretas de Couro; e o Museu Orgânico do Mestre Françuli,
que fabrica aviões com folhas de flandre e zinco. Até este mês de maio, o
terceiro, em Juazeiro do Norte, que homenageia o Mestre Nena, líder do grupo
Bacamarteiros da Paz, será entregue. No entanto, ainda não há prazo para a
inauguração do Museu dos Ladrilhos.
A
ideia é tornar a fábrica de mosaicos um espaço de visitação, valorizando seu
cotidiano. "Já é uma coisa natural vir ao Cariri para conhecer a cultura
popular", afirma Alemberg Quindins, presidente da Fundação Casa Grande.
Nestes espaços, os visitantes têm contato com o mestre da cultura, sua família
e sua memória. (Diário do
Nordeste)
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