Arte: Lincoln Souza
Nem sempre é recíproco entre as pessoas. Mas, toda vez que ocorre, o ato de perdoar torna-se uma necessidade, tanto para quem concede quanto para quem recebe o sentimento. A perspectiva foi alimentada durante anos pela autônoma Angela Emília. Ela conhece bem a sensação do movimento de desculpar, pois afirma já ter perdoado várias vezes. Ainda que por motivos distintos, há algo que permanece em cada momento de reconciliação.

"O que sinto é sempre muita alegria", confessa. "Por isso mesmo, minha vontade é de perdoar sempre mais. Na verdade, acredito que esse é um exercício que a gente precisa fazer diariamente porque todos os dias acontecem situações em que é preciso o perdão. Muitas vezes, até para nós mesmos".

Ao manter a nobre atitude, Angela não somente refresca a alma como também passa longe de integrar um lamentável panorama. Pesquisa brasileira apresentada durante o 40.º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), realizado entre os dias 20 e 22 de junho deste ano, apontou uma relação entre a dificuldade de perdoar e a ocorrência de enfarte agudo do miocárdio. As informações são do jornal O Estado de São Paulo.

"O mundo ocidental se refere ao coração como o centro das atenções", justifica a psicanalista Suzana Avezum. Após ter visto na prática os benefícios do perdão para a saúde emocional, a profissional partiu para a pesquisa. De 2016 a 2018, se debruçou sobre o tema num mestrado na Universidade Santo Amaro e focou no risco de desenvolver doenças cardiovasculares.

No estudo, 130 pacientes responderam a dois questionários elaborados pela psicanalista - um para avaliar a disposição para o perdão e outro sobre espiritualidade e religiosidade - algo que, segundo Suzana, interfere na disposição para perdoar. "Encontrei mais ocorrência de enfarte entre aqueles que têm dificuldade do perdão", afirma a pesquisadora.

Conexões
O estudo avaliou os efeitos da espiritualidade. Angela Emília, de formação e atuação católicas - é agente de pastoral em uma das comunidades da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - deixa entrever uma questão intrínseca à fé que professa: "O momento de perdoar é sempre aquele que o seu coração se abre à misericórdia de Deus".

Contudo, a perspectiva, de acordo com o levantamento realizado, é mais abrangente. Conforme avalia Suzana Avezum:

"Não foi avaliada nenhuma religião específica, pois o que seria dos ateus? Tem pessoas que não acreditam em religião alguma e são mais espiritualizadas do que as que têm uma religiosidade rígida".

Ainda assim, os números mostraram que, entre quem enfartou, 31% afirma ter tido perda significativa da fé. Entre quem não teve, o índice foi de 9%.

São nuances de um sentimento complexo. Dificilmente alguém nos diz e não está em nenhum manual ou cartilha da vida como proceder para compreender melhor o outro e perdoá-lo pelas atitudes que nos incomodaram. Porém, os fatos são nítidos: reconciliar-se resulta em preservar a própria satisfação de existir.

"O exercício do perdão não é uma tarefa fácil. Exige o encontro de uma perspectiva maior de amor e compreensão; entretanto, uma vez conseguido, propicia à pessoa paz e bem-estar, que lhe trará certamente benefícios também no plano da saúde física e mental", reitera a professora de cardiologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sandra Falcão, também Doutora em cardiologia pela faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Ela explica que, antes do referente estudo, já havia associação científica entre o enfarte e a falta de perdão. Literatura encorpada que envolve várias publicações e alavanca diferentes reflexões.

Em termos técnicos, "do ponto de vista científico, está bem estabelecido a relação entre processo inflamatório, estresse da parede do vaso e a rotura da placa de ateroma (depósito lipídico na superfície interna das paredes das artérias) que provoca o enfarte", dimensiona.

"Além disso, é possível ainda uma relação entre esses aspectos e o estresse emocional envolvido na falta de perdão e também de religiosidade", complementa, trazendo novamente à superfície a temática que geralmente é associada ao sentimento.

Por sua vez, quando indagada sobre se já diagnosticou alguém cujo problema no coração remetia à ausência de perdão, Sandra sublinha um aspecto relevante sobre a forma como a ciência está conduzindo esse processo, com atenção especial ao pessoal.             (Diário do Nordeste)

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