Os
moradores de Juazeiro do Norte acordaram no dia 20 de julho de 1934 com a
notícia da morte de Cícero Romão Batista, o famoso Padre Cícero, sacerdote,
líder e fundador do Município, aos 90 anos. Acometido por uma crise intestinal,
o pároco havia recebido os primeiros cuidados médicos dois dias antes, uma
quarta-feira, em sua casa, na Rua São José, no Centro. Na quinta, o quadro de
saúde piorou e o diagnóstico foi mais grave: obstrução intestinal e
insuficiência cardiorrenal. Hoje, completam-se 85 anos da partida do aclamado
"Patriarca do Nordeste".
O
legado do Padre Cícero é imensurável. Prova disso é que todo dia 20 de cada mês
é motivo de orações e homenagens em Juazeiro do Norte. Fiéis vestem preto, de
luto, para lembrar a data da morte do líder religioso. A celebração se
intensifica neste dia 20 de julho, data exata da "viagem" do
sacerdote - já que o romeiro acredita que ele não morreu. Ao longo do ano,
estima-se que mais de 2 milhões de pessoas visitam a cidade pela fé nas graças
do "Padrinho".
Quando
a notícia da morte se espalhou, naquela sexta-feira triste, centenas de pessoas
correram até sua casa para conferir. Segundo os memorialistas, para evitar
qualquer dúvida, o caixão foi colocado na vertical, na janela, para que os
moradores e romeiros pudessem ver. Relatos da época descrevem que, pela
posição, o corpo se mexeu e alimentou o imaginário dos fiéis.
A
professora e historiadora Amanda Teixeira, que pesquisou Juazeiro do Norte
entre 1934 e 1969, conta que a repercussão da morte do pároco só foi chegar aos
jornais de outras cidades e outros estados a partir do dia 21 de julho, em
notas pequenas. Alguns jornais importantes, contudo, como o Diário de São
Paulo, já apresentavam matérias grandes nas primeiras páginas. "São notas,
porque tinham que dar a notícia rapidamente, mas, ao longo dos dias,
jornalistas foram chegando para cobrir o funeral. Havia presença da imprensa
nacional, fotógrafos, narrando como a população se comportou. A repercussão foi
grande", completa.
"É
que muitas pessoas o julgam santo e não acreditam na sua morte. Aqui era grande
o número dos que mantinham essa convicção e que se aproximavam do corpo para
vê-lo muito de perto, verificando então a verdade do fato. Dos que assim
pensavam, alguns têm enlouquecido deante da realidade", narrou um
correspondente do periódico A Noite, do Rio de Janeiro. De fato, alguns devotos
acreditavam que, como era santo, o pároco era imortal.
A
morte de Padre Cícero foi narrada de maneiras distintas por jornais
brasileiros. "Eram representações distintas, de sujeitos distintos e com
interesses distintos", afirma Amanda. Nos jornais do Sudeste, imaginavam
que o "fanatismo" intensificaria, outros narram pessoas que
enlouqueceram e desmaiavam como se a morte do sacerdote fosse o fim do mundo.
"Sabbado
último, uma mulher, cujo nome a reportagem não conseguiu identificar, ateou
fogo às vestes, utilizando-se de kerozene, para pôr termo à existência. Dizem
que o gesto da tresloucada se prende à morte do Padre Cicero. Houve quem a
ouvisse dizer que não queria viver sem o padre na terra. A capella do Perpetuo
não comporta o número de visitantes, que é ininterruptamente
considerável", impressionou os leitores no dia 3 de agosto de 1934 o
jornal carioca "A Noite".
Legado
Nos
jornais do Nordeste, entretanto, havia uma tentativa de mostrar que o Município
era civilizado. Há descrições minuciosas nos periódicos locais falando quais
autoridades estavam presentes no velório ou enviou representantes, que correu
em ordem e que a Polícia esteve presente, mas não precisou conter ninguém.
Estima-se que o cortejo fúnebre reuniu 40 mil pessoas. Após a morte do santo
popular, muitos intelectuais, colunistas da imprensa nacional, romeiros e
devotos especulavam o futuro de Juazeiro.
"Alguns
articulistas acreditavam que aquela onda de fanatismo se encerrava ali",
explica Amanda. A cidade era alvo de romarias desde o chamado "Milagre da
Hóstia", em 1889, quando o pão consagrado supostamente se transformou em
sangue na boca da beata Maria de Araújo, durante a celebração de uma missa pelo
próprio sacerdote - fato que aconteceu outras dezenas de vezes, mesmo em
comunhão por outros padres.
"As
romarias que existiam para a visita ao chamado 'sangue precioso' se
transformaram em romarias de visitas ao Padre Cícero. As pessoas iam a Juazeiro
para ver o padre para se aconselhar, pedir a bênção, conhecer aquele homem
santo. Quando ele morreu, muitos acreditavam que as romarias iam desaparecer,
que iam diminuir, que o ganho econômico em torno dos visitantes seria
menor", completa a historiadora.
No
entanto, aconteceu o contrário. As romarias continuaram, mas, dessa vez, para
visitar o túmulo do sacerdote. Em novembro de 1934, já houve uma grande
peregrinação no Dia de Finados - que depois se tornaria a maior romaria de
Juazeiro do Norte. "Em 1950, esta já era uma romaria consolidada",
diz Amanda. O que para a imprensa e muitos intelectuais seria um marco de
ruptura, a "passagem" do Padre Cícero foi a continuidade e
fortalecimento de todo o misticismo que o cerca.
Entre
1934 e 1940, o escultor italiano Agostinho Balmes Odísio inaugurou uma estátua
do santo popular, no Largo da Capela do Socorro, em tamanho real, muito
semelhante ao sacerdote e que impressionava os devotos. Até a inauguração da
estátua na Colina do Horto, em 1969, este era o cartão-postal da cidade.
"De certa forma, isso representa a permanência dele em Juazeiro. Era e
ainda é uma estátua muito querida pelos romeiros. Recebia flores, orações,
velas, promessas. E está no local onde ele passou a 'morar'. Ele continua
vivendo na Capela do Socorro para os que acreditam", finaliza Amanda. (Diário do Nordeste)
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