Mãe Dodô é dona de uma das casas mais emblemáticas do bairro. FOTO: THIAGO GADELHA |
O
íngreme caminho até a chegada ao ponto mais alto da cidade abriga um cenário
peculiar. A Rua do Horto é ladeada por casas singulares, de cores vibrantes e
em cujo interior residem santuários que acolhem imagens de santos, fitas,
terços e retratos - alguns datados do século passado. As cores vibrantes e as
paredes revestidas de fé, por meio das imagens religiosas, surgiram, segundo
Paulo Fernandes, "a partir dos ensinamentos do Padre Cícero Romão".
O
historiador remete a uma frase do patriarca juazeirense para justificar as
cores alegres nas casas de muitos católicos. "Padre Cícero dizia que 'quem
tem Deus no coração tem um rosto alegre'. Por isso, os devotos passaram a
transpor, em suas casas, essa frase do religioso". Ele lembra que a
proximidade com a estátua do Padre Cícero faz com que essa tradição seja
potencializada. "Isso existe em vários locais da cidade, mas lá é mais
forte, mais presente, e chama mais a atenção por estar aos pés da
Estátua", acrescenta Fernandes.
O
pároco da Basílica Santuário, padre Cícero José da Silva, lembra que a
preservação da tradição em manter um altar na sala das casas, deve-se ao fato
de "Juazeiro do Norte ter sido estruturada pelo trabalho pastoral
missionário do Padre Cícero Romão Batista". Conforme recorda, o sacerdote,
que é considerado Santo pelos romeiros, "sempre ensinou o povo católico a
colocar Deus no centro de tudo, daí surgiram diversas tradições bastante
peculiares em nossa região".
Nesses
"santuários residenciais", entre as muitas imagens, nunca faltam a do
Padre Cícero e a do Sagrado Coração de Jesus, a quem todos os dias pela manhã a
pernambucana erradicada em Juazeiro do Norte há 20 anos, Floraci Lourenço da
Silva, reza um mistério. "Todo dia, seis horas da manhã em ponto, eu sento
aqui nesse cantinho e rezo. À tarde, é a vez da minha irmã", conta a
aposentada. Na sala de sua casa, são 73 imagens fixadas nas paredes e
acondicionadas em cima de uma mesa, a que ela se refere como "altar
sagrado". "Cada um tem um significado especial", pontua.
Questionada sobre a mais especial, ela, que é analfabeta, responde com firmeza.
"Onde há fé, não dá pra escolher entre uma e outro. Cada uma delas é
especial; é aqui que renovo minha fé e peço proteção para toda minha
família".
Do
outro lado da rua, em frente à casa de Dona Floraci, Mãe Dodô, considerada uma
"das melhores rezadeiras da cidade", conforme atesta Floraci
Lourenço, transformou não somente sua sala, mas a casa quase que completamente.
A residência abriga mais de uma centena de imagens, algumas delas - a de Padre
Cícero, por exemplo - contam com 1,50 metro de comprimento.
Todos
os dias, Mãe Dodô recebe em sua casa pessoas que buscam fortalecimento
espiritual. Sua estatura franzina não é compatível com a "fortaleza
existente dentro dela", diz a professora Nairla Olinda. A educadora era
uma das seis pessoas que, numa tarde de sexta-feira, ouviam, atentas, as
orações da rezadeira. "Saio daqui fortalecida", acrescenta. A tinta
azul que preenche, além de suas vestes, as paredes de sua casa,
"representam esperança"; a cor branca, que dá tom ao altar e aos
tecidos que cobrem sua cabeça, "simbolizam a paz", e a diversidade
das cores presentes nas imagens remetem às pessoas que ela atende, "pois
cada uma é única, especial e portadora de fé". Dodô faz questão de frisar
que "sua grande missão é tornar sua casa uma extensão do lar de outras
pessoas".
(Diário do Nordeste)
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