FOTO: Biel Machado-Universo Produção
A mente humana pode ser capaz de plasmar a realidade que desejar. E, se as escolhas de uma comunidade passam ao largo de reflexões éticas entre os homens, um cenário de violência, subjugação e horror se “habitua”, se conforma no dia a dia. Em “Notícias do Fim do Mundo”, o veterano cineasta cearense Rosemberg Cariry entrega um longa-metragem de ação, amparado em inquietações sobre poder, papel da arte e da cultura, relações de opressão, dentre outras questões que, de uma forma ou de outra, sempre estiveram presentes na obra deste filho de Farias Brito, no Sul do Estado.

Ora no cinema, ora na literatura, o artista se expressa em um movimento que torna “viva” a fusão entre as tradições populares do Nordeste e outras culturas. Rosemberg chega ao 11º longa-metragem de sua filmografia. “Notícias do Fim do Mundo” foi exibido pela primeira vez neste domingo (1º), no Cineteatro São Luiz, dentro da programação do 29º Cine Ceará.

Feito a partir de um conto escrito por Rosemberg Cariry em 1996, “Os 12 guerreiros do reisado” (o primeiro título do projeto era “Folias de Reis”), o filme é resultado de um longo processo e lança um olhar, por meio da ficção, sobre o delírio conservador que tomou conta do Brasil e do mundo nos últimos anos.

A narrativa se passa na cidade fictícia de Kibuna, no país imaginário Jenipapuaçu. No local, a sociedade interage diante de um clima mórbido nas relações, nos espaços físicos. Além da oposição que existe entre os “terroristas” e o poder institucional vigente, a população assiste à própria decadência em transmissões da televisão.

O povo tem acesso à comunicação por meio de serviços precários e acompanha as pautas do noticiário como se toda aquela tragédia não tivesse a ver com eles mesmos e com o coletivo.

Nesse mundo sufocante, os terroristas são artistas, religiosos da umbanda, do ritual da Jurema Sagrada, os índios, ou qualquer outra pessoa que ameace a soberania da OPR (Organização dos Países Ricos). É curioso que, de acordo com a crença instituída em Jenipapuaçu, até um artista de rua cover do Michael Jackson, além de outro fantasiado como o Mickey do trenzinho da Beira-Mar, é considerado uma ameaça à ordem ali pactuada.

Parte dessa “escória”, o ator Alexandre Taylor (Everaldo Pontes) mantém um grupo de folguedo popular. Convidado para visitar o palácio do governador, o artista e seu grupo resolvem lutar contra a opressão e sequestram o embaixador de Golem (João Paulo Soares).

O sequestro ganha contornos múltiplos e o filme passa a refletir como o “crime” é visto (e contemplado) pela sociedade da realidade de cá. Meio “performance”, meio ação violenta de fato, o movimento dos “terroristas” é envolvido por um ar festivo e filosófico. Os artistas são vistos como “terroristas” pela sociedade retratada no filme.

O ônibus pelo qual o embaixador é capturado em algumas cenas parece uma boate com jogo de luz, enquanto a população assiste – sem demonstrar nenhuma emoção – a agonia do político e a manifestação lúdica dos criminosos. O cineasta Stanley Kubrick (1928-1999) concebeu pavor similar em “Laranja Mecânica” (1971).

Lucidez
Um dos pontos mais interessantes de “Notícias do Fim do Mundo” é assistir à evolução do personagem Alexandre Taylor. Durante a ação do sequestro, ele se torna “Mestre Jacaúna” e, à medida que transparece lucidez e sensibilidade – é visto como alguém perigosíssimo, uma espécie de Osama Bin Laden de Jenipapuaçu.

A diversidade de símbolos que envolve Mestre Jacaúna sintetiza várias reflexões do filme. E faz paralelo com o contexto do presente político, em que as pessoas defendem suas visões de um modo extremo, sem tolerância com a visão do outro. O “outro”, neste caso, torna-se um mal a ser eliminado, à força.

Velocidade
Outro trunfo de “Notícias do Fim do Mundo” é observado quanto à forma do longa-metragem: enquanto entrega ao espectador uma narrativa de ação, saturada de estímulos, velocidade e ruídos; Rosemberg Cariry mostra como a sociedade assume um ritmo de “auto-implosão” da própria existência, com este movimento.

O diretor concebe uma obra “apocalíptica” sem deixar que, ao fim da narrativa (surpreendente, por sinal), o espectador necessariamente caia em desesperança. Resta, da nossa parte (a comunidade humana), o “consolo” de constatar que a mente capaz de criar tanta dor e injustiça é o mesmo recurso que pode lançar luz à tanta destruição. “Notícias do fim do mundo” ilumina, assim, o fim da linha, enquanto posiciona o próprio cinema como uma lanterna acesa no meio do caos.                              (Diário do Nordeste)

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