Respeitada por amigos, Lindsay Vasconcelos revela que teve
o apoio da coordenação da escola FOTO: CAMILA LIMA
Existir requer coragem. Ser quem se é, ainda mais. Os dois verbos se tornam imperativos no processo de autodescoberta de transexuais e travestis, e podem se traduzir em atos relativamente simples, como cortar o cabelo, ou de simbologia imensa: como escolher um novo nome. Na rede estadual de ensino, o número de matrículas com inclusão do nome social dos estudantes transgêneros subiu de 89, no ano passado, para 113, neste ano - aumento numérico tímido de 26%, mas de importância expressiva para os que lutam por autoafirmação. 

O uso do nome social em instituições de ensino básico, profissional e superior do sistema estadual do Ceará é garantido desde agosto de 2017 pela Resolução nº 0463, do Conselho Estadual de Educação, segundo a qual a identificação de pessoas trans deve preceder o nome civil em declarações, certidões, históricos escolares, certificados e diplomas. A medida só foi expandida para todo o País em janeiro de 2018, quando o Ministério da Educação (MEC) homologou resolução própria. 

Desde que o campo "nome social" entrou no sistema da rede de ensino básico cearense, foram registradas 202 matrículas contendo a informação. Só neste ano, 74 meninas e 39 meninos transexuais tiveram o nome social garantido nos registros escolares, de acordo com a Secretaria da Educação (Seduc). Mas, para alguns, o processo é mais complicado do que cruzar a burocracia: é cultural. 

Taylor Gabriel, 17, busca a legitimação da própria identidade diariamente, ao corrigir colegas e professores que insistem em chamá-lo pelo nome civil. O adolescente estuda em uma escola estadual em Mucambo, na Região Metropolitana de Sobral, e chegou a ter medo de retornar às aulas, após as férias, quando cortou o cabelo e decidiu assumir a identidade masculina. "Tive que enfrentar isso. Antes, eu não era bem tratado, agora está melhorando. Mas poucos professores me chamam de Gabriel, me sinto desconfortável com isso", revela. 

Conquistas 
Foi pelo extremo do desconforto, porém, que a estudante Alexia Andrade, 17, se descobriu uma menina trans. "Um menino gritou comigo no feminino, no 9º ano do fundamental. Nesse momento, senti uma diferença em mim, gostei de ser vista como mulher. Me senti confusa, procurei psicólogo e, no 1º ano do ensino médio, comecei a fazer a mudança. Já no 2º, comecei a burocracia do nome", relembra a estudante, hoje no 3º ano. 

O respeito de colegas e professores veio de forma natural, mas o conforto real apareceu na lista de chamada. "Ver meu nome ali foi reconfortante. Não precisar mais ir até o professor e lembrar a ele que chamasse 'Alexia', e não outro nome. Uma vez, um professor chegou a chamar o nome de antes por três vezes, e não respondi", rememora. Na quarta, corrigido por uma amiga, ele registrou a presença em sala de Alexia. 

Outro obstáculo do processo de transição à comunidade escolar foi o uso do banheiro feminino. "Passei o 2º ano inteiro tentando fazer eles entenderem que aquilo não era uma coisa negociável, era uma necessidade minha e eu não ia desistir. Eu poderia ter aceitado, baixado a cabeça, mas não fiz. Até o banheiro é lugar de convívio social, eu precisava ter acesso", sentencia a estudante, que, hoje, se considera "privilegiada" por viver "em paz" na instituição.                    (Diário do Nordeste)

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