FOTO: NATINHO RODRIGUES |
Apelidada de "Terra dos Verdes Canaviais", Barbalha, ao lado do Crato, já foi um dos grandes produtores de cana-de-açúcar da região, mas o setor vem perdendo força. O declínio alcança outros dois polos que se destacaram ao longo do século passado na produção de rapadura: a Serra da Ibiapaba (São Benedito, Tianguá, Ubajara) e o Litoral Leste (Cascavel e Pindoretama).
Esses núcleos tradicionais de cultivo de cana-de-açúcar e também áreas isoladas enfrentam o abandono da atividade. Em 11 anos, 425 engenhos fecharam no Estado. Segundo o Censo do IBGE de 2017- dado mais recente sobre esta produção -, o Ceará produziu naquele ano 3.275 toneladas de rapadura, em 342 engenhos. Isto representa 40,57% menos de que em 2006, quando foram produzidas 5.511 toneladas em 767 engenhos.
As explicações para a redução são comuns entre os produtores e técnicos do setor: inviabilidade econômica mediante o custo de produção, exigências legais trabalhistas na contratação de mão de obra e queda do consumo.
Para driblar a crise que o setor enfrenta, muitos produtores passaram a adicionar açúcar ao produto, passando a ter uma produção mista e indesejável para quem quer consumir rapadura pura do caldo da cana.
Comércio
No período de romarias, em Juazeiro do Norte, a venda da rapadura triplica. Dezenas de caminhões saem de Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco, para abastecer o mercado do Cariri. O comerciante Valdeci Bezerra da Silva vende rapadura no Centro de Juazeiro desde 1974. "Os romeiros faziam fila para comprar", recorda. "Eu comprava duas mil unidades por semana, de Barbalha, e era um produto bom e puro, mas agora só compro 50".
Os caminhões vêm de Santa Cruz da Baixa Verde e vendem aos romeiros no entorno da Basílica de Nossa Senhora das Dores, concorrendo com os comerciantes tradicionais. "Os motoristas passaram a ser vendedores", pontuou Valdeci Bezerra.
Juazeiro é um grande polo comercial, sendo referência para cidades do Pernambuco, Piauí e Paraíba. Vendedores e atravessadores fazem esta 'ponte' entre engenhos de Santa Cruz da Baixa Verde e a terra do Padre Cícero.
O motorista Alex de Lima aproveita a viagem quase diária para Juazeiro e leva de 10 a 12 fardos de rapadura para abastecer o comércio local, algo em torno de 10 a 20 quilos. Cada um entre R$ 55 a R$ 60. "É pouco. Não pode levar muito porque já trago coisa de lá. É mais para complementar a renda", explica. Por outro lado, ele conta que há carretas que transportam até 6 mil quilos do produto para o Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia. "E vendem tudo", enfatiza. O doce é fabricado em 12 grandes engenhos de Santa Cruz da Baixa Verde.
O vendedor Sebastião Firmino dos Santos traz do Sertão do Pajeú (Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo) até Juazeiro, mais de duas toneladas do doce durante as romarias. "O romeiro compra para consumo próprio e ainda leva para suas famílias", contou.
Decadência
Por quase três séculos, a economia açucareira foi hegemônica no sul do Ceará. Até a década de 1970, havia centenas de engenhos em Barbalha. Hoje, apenas cinco funcionam no Município, duas vezes por semana. Em 2006, eram nove unidades produtoras.
Entre 2002 e 2012, 13 engenhos fecharam as portas em Barbalha, segundo José Garcia, um dos produtores que abandonaram a cana-de-açúcar e passaram a produzir banana. "O comércio diminuiu muito, e os custos aumentaram", justificou.
A economista Denize Paixão aponta que a decadência dos engenhos está associada à dificuldade de comercialização, baixa lucratividade, evasão de mão de obra, falta de recursos, além das exigências do Ministério do Trabalho, como a regularização de funcionários, melhoramento nas unidades produtivas e das condições de trabalho. "Houve aumento na fiscalização, principalmente na penúltima década", acrescenta.
Serra da Ibiapaba
O Censo Agropecuário do IBGE em 2017 aponta que São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa formam o maior polo produtor de rapadura do Ceará, hoje. Ainda assim, houve queda significativa na produção e no número de engenhos.
Nos quatro municípios da Região da Ibiapaba funcionavam, em 2006, 339 engenhos, que produziram 2.335 toneladas. Em 2017, havia em atividade apenas 136 unidades e foram fabricadas 1.225 toneladas de rapadura. No período, a produção caiu cerca de 52%.
"A produção vem caindo em toda a região", lamentou o secretário de Agricultura de Ubajara, Eriberto Santana. "É preciso haver incentivo para a retomada da cana-de-açúcar e da produção de rapadura".
O gerente regional da Ematerce em Tianguá, Cícero Pereira, analisa que dois fatores contribuíram para o abandono da atividade na Ibiapaba: "Preço da rapadura que mal cobre os custos de produção e a baixa produtividade da cana-de-açúcar, sem renovação de variedade", explica.
Pindoretama
A cidade de Pindoretama, no Litoral Leste, orgulha-se de produzir 'a maior rapadura do mundo' e promove, todo mês de julho, o Festival da Cana-de-Açúcar. Engenhos e lojas, às margens da CE 020, vendem o produto em vários tamanhos e com sabores diferenciados de frutas.
De acordo com a Secretaria de Turismo de Pindoretama, há 29 engenhos, mas só 18 estão ativos. A produção é de 3.000kg por dia. O doce em tijolinho, de 200 gramas, é vendido por R$ 2. O fardo, com 25kg, custa R$ 38. São 94 empregos diretos.
"A atividade está em declínio por falta de matéria-prima, mão de obra qualificada (os mestres de engenho que sabem dar o ponto do caldo no tacho), e queda na comercialização do produto", observou o secretário de Turismo, Alisson Freitas.
A produção é vendida para redes de supermercados de Fortaleza, para comerciantes de cidades do Sertão Central e para Russas, na região Jaguaribana, e ainda para Mossoró, no Rio Grande do Norte. (Diário do Nordeste)
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