FOTO: Kilvia Nascimento
Um professor de pós-graduação da Universidade Estadual do Ceará (Uece) organizou uma campanha entre amigos para arrecadar dinheiro para a compra de um berço e um carrinho para duas alunas, que precisam levar as filhas, ainda em fase de amamentação, para assistir às aulas. A ideia da turma é dar mais conforto para as bebês, além de acolher as duas mães e o pai estudantes para que eles não desistam do curso. 

O gesto de solidariedade teve resultado positivo e os objetos foram entregues, em sala de aula, no dia 24 de janeiro, em uma das turmas do professor Lucineudo Irineu, 33, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA). “Essas alunas não tinham com quem deixar as crianças. Por isso a gente resolveu, dentro de uma visão de humanização da pós-graduação, nessa ideia de trabalhar saúde e bem estar na pós. Foi uma medida nossa, não achávamos que ia ter repercussão”, revela.

O professor conta que, a princípio, se sentiu apreensivo quanto a reação dos demais alunos, o comportamento das bebês e como a dinâmica da sala iria se adaptar. A turma, porém, acolheu completamente as mães e suas filhas. 

“A gente imaginou que as bebês fossem se assustar, mas não. Elas ficam lá tranquilas, choram muito pouco. Quando acontece, a mãe amamenta, e, no intervalo, os amigos seguram a bebê enquanto a mãe come. A gente viu que se tornou uma grande rede de afeto para essas mães que tendem a desistir do curso”. 

Necessidade e surpresa
Natural de Guiné Bissau, a mestranda Edna Ié, 25, mudou-se para Fortaleza em 2014. Ela veio ao Ceará para estudar na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), onde se formou. Ao encontrar os objetos em sala de aula, ela se sentiu grata e comemorou a atenção dada pelos funcionários e colegas da Uece. Sua filha Ednira, de apenas cinco meses, se adaptou bem à companhia da classe. Ela vai às aulas duas vezes por semana. 

“Ela é muito calma, quase não chora. Ela não está na idade de parar a amamentação, e se não fosse por essa ajuda, eu não saberia como fazer. Sei que não é adequado levá-la pra aula, mas é uma necessidade”, revela. “Não existe reação que faça a gente se sentir constrangida por estar lá, então eu fico muito feliz”. 

A doutoranda Kílvia Nascimento, 29, ainda está de licença maternidade, mas descobriu que uma disciplina essencial para sua carreira seria ofertada no início de 2020, então decidiu se matricular. Sua filha Maitê tem três meses de idade. 

“Foi informado em uma reunião aos alunos que estavam entrando na pós-graduação que eles iriam dividir a sala deles com duas bebês, mas eu não participei dessa reunião. Quando cheguei para assistir a primeira aula, fui surpreendida com o berço, o carrinho e algumas mensagens anônimas em bilhetes dizendo que ia dar tudo certo”, relata. 

Acolhimento 
O marido de Kílvia também é aluno da PosLA, e está matriculado na mesma turma. “Nós dividimos o cuidado dela. Uma hora ele sai da sala, para acalentar quando ela chora, depois eu vou. Assim a gente não perde a aula por inteiro. Somos uma família dentro da sala de aula”, diz. Segundo ela, a sensação é de acolhimento na Universidade. 

“É como se dissessem que meu lugar é ali, e que a maternidade não seria algo tão sacrificante. Me senti abraçada academicamente.” 

Os bilhetes anônimos com mensagens de incentivo são deixados em quase todas as aulas, e um mural foi criado na sala para fixá-los. “Força”, “você tem todo o nosso apoio”, “não desista” e “você pode ser mãe pesquisadora” são algumas das palavras direcionadas às alunas. “Eu faço foto dos papéis para guardar no arquivo pessoal, e ficar registrado como lembrança. Quando minha filha crescer, vou mostrar a ela”, afirma Edna. 

Antes de comprar os objetos, Lucineudo consultou a diretora do Centro de Humanidades da Uece, que lhe deu o aval para fazer a campanha. Ele explica que, geralmente, as mães desistem do curso em razão da rotina exigente, com prazos a cumprir, que fazem com que a aluna tenha de decidir entre cuidar do bebê e estudar. 

“A gente tem a clara certeza de que uma sala de aula não é o lugar adequado para um bebê, mas nestes casos em que as mães não têm rede de apoio, não há outro jeito”, declara.                 (G1 CE)

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