FOTO: Iago Barreto
Durante a pandemia de Covid-19, a Fundação Nacional do Índio (Funai) destinou R$ 136.670,37 para ações voltadas aos povos indígenas do Ceará, por meio da Coordenação Regional Nordeste II, localizada em Fortaleza. O valor representa um investimento inferior a R$ 0,05 diários por indígena, no período de 15 de março, quando, oficialmente, começou a transmissão do novo coronavírus no Estado, até 22 de junho, data que marcou os 100 dias corridos após o primeiro caso confirmado da doença. 

Neste cenário, proporcionalmente, cada um dos 35.757 indígenas cearenses, segundo a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, recebeu apenas R$ 3,82 nos 100 dias do período oficial da pandemia no Estado. Isso significa que a cada 24 horas, o investimento foi de aproximadamente R$ 0,04 em ações da Funai, por pessoa. O recurso foi utilizado, segundo a Fundação Nacional, para distribuição de cestas de alimentos e kits de higiene. 

No âmbito nacional, a Funai destinou, entre 26 de fevereiro, início oficial da transmissão no Brasil, e 22 de junho, cerca de R$ 29,85 por indígena para atividades de combate à Covid-19. Segundo a Sesai, em todo o País, são 760.350 pessoas que se autodeclaram como indígenas, em 6.238 aldeias espalhadas pelo Brasil. Dessa forma, a média de investimento per capto é R$ 0,24 por dia, 80% superior à média do valor destinado aos indígenas cearenses. 

Na avaliação de Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), o valor é insuficiente para suprir a demanda.

“O que sabemos é que a Funai aplicou um recurso para compra de kits de alimentos e de higiene pessoal, mas, destinados mais à Grande Fortaleza e aos Tremembé, no Litoral. Inicialmente, o interior ficou descoberto e só passou a ser contemplado agora por meio das entregas de cestas de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em parceria com a Funai”, destaca Weibe. Conforme ele, a situação ainda é mais preocupante pela subnotificação. 

“Muitos indígenas ainda não estão incluídos nesse sistema de saúde (da Sesai, o que indica a presença de mais indígenas no Ceará). Há denúncias por conta dessa situação”. 

Pandemia 
Segundo o último boletim da Sesai, divulgado nesta quinta-feira (2), o Ceará já registra um acúmulo de 328 casos confirmados da Covid-19. Destes, 97 estão doentes atualmente, segundo o órgão. 

Além disso, 76 pessoas constam como quadros suspeitos. Nesta situação, o indígena apresenta sintomas respiratórios, saiu da aldeia e retornou nos últimos 14 dias de um local com transmissão da Covid-19; ou apresenta sintomas respiratórios e não saiu da aldeia, mas teve contato com suspeito ou confirmado de estar com a virose nos últimos 14 dias. Quatro indígenas perderam a vida por conta da doença no Ceará e já foram registradas 227 curas clínicas.

A situação preocupa, ainda, pela taxa de contágio do vírus entre esta população. Enquanto o índice no Estado (entre indígenas e não indígenas) vem sofrendo queda, principalmente na Capital, o número entre o povo tradicional se mantém alto. O índice indica o número de casos secundários gerados a partir de uma pessoa infectada. No Ceará, um indígena é capaz de transmitir a doença para mais de uma pessoa (1,10), enquanto a média do Estado é de 0,69. 

As taxas de transmissão estão descritas no Informe Epidemiológico Semanal, emitido pela Sesai nesta quarta-feira, 1º. Segundo o documento, valores superiores a 1 indicam que há transmissão ativa do vírus e que mais casos estão sendo gerados. Já os inferiores a 1 apontam a redução das infecções. Além disso, a taxa de incidência da virose nos indígenas cearenses é de 1.149,6 casos por 100 mil habitantes, maior que a média nacional, de 761,1 por 100 mil pessoas. 

Apesar dos números já considerados preocupantes, entidades e lideranças apontam que há uma subnotificação nos casos confirmados da doença, o que indicaria a existência de mais infectados, que não estão sendo contabilizados. 

Fundação 
Em nota, a Funai informou que o detalhamento do orçamento para o ano de 2020 é realizado por ações. “É um identificador para atividades similares, executadas para o alcance dos objetivos de um Programa de Governo”, disse. Além disso, ressaltou que o responsável pela saúde indígena no País é o Ministério da Saúde, por meio da Sesai. Tentamos contato com o órgão sobre o recurso aplicado durante a pandemia no Ceará, mas não tivemos retorno. 

“A Funai não cuida diretamente da saúde indígena, mas sim a Sesai, que possui a competência institucional de coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS)”, informou a Fundação, em nota.

A Fundação Nacional reforça, ainda, que trabalha em conjunto com órgãos locais e com a Sesai em ações de prevenção ao contágio do vírus entre a população indígena do Ceará. "A atuação da Funai tem sido no sentido de promover a permanência dos indígenas nas aldeias durante a pandemia de Covid-19. Para isso, vem trabalhando, entre outros, para garantir a segurança alimentar das comunidades em situação de vulnerabilidade social", aponta.

"Mais de 1.800 cestas básicas e quase 2 mil kit’s de higiene e limpeza, adquiridos com recursos próprios, já foram entregues às comunidades. Além disso, a distribuição de aproximadamente 11,5 mil cestas de alimentos (obtidas pela Conab com recursos do MMFDH - Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) será concluída nos próximos dias a indígenas do Estado", destacou o órgão. ​

Weibe Tapeba, no entanto, avalia que há uma limitação nesta atuação durante a pandemia. “A Funai trabalha com a questão fundiária, mas também com assistência. Ela tem essa atribuição de garantir o apoio às comunidades indígenas, principalmente dos agricultores, pescadores, marisqueiros, etc, que precisam de apoio do órgão e não estão tendo durante a pandemia. Foi apenas a doação dos kits de alimentação e de higiene e algumas máscaras e com um número muito pequeno de famílias beneficiadas”, explica. 

Além disso, o assessor aponta que poucos indígenas têm conseguido acesso aos servidores da Funai para os serviços de encaminhamento de benefícios e seguros especiais junto aos Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “É a Funai que faz esse acompanhamento e tudo isso também está impactado”, avalia Weibe.

Brasil 
Segundo a Funai, o orçamento previsto para as despesas discricionárias do órgão em 2020 é de R$ 174,9 milhões. A Fundação informou que, durante a pandemia, já "descentralizou a suas unidades executoras" um total de R$ 22,7 milhões para atividades de combate à Covid-19, o que corresponde a 12,9% do total previsto para todo o ano. Para a Coordenação Regional Nordeste II, que fica em Fortaleza mas desenvolve ações, também, em outros dois Estados - Piauí e Rio Grande do Norte, o investimento foi de R$ 215.800 utilizados no combate à doença. As principais ações são entrega de cestas básicas e kits de higiene pessoal. 

Em todo o País, já são 7.198 casos acumulados registrados em indígenas (3.096 atualmente) e 166 mortes ocasionadas pela doença, segundo a Sesai.                  (Diário do Nordeste)

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