FOTO: Barbara Moira
Um dos principais artistas plásticos brasileiro, o caririense Sérvulo Esmeraldo nos deixou em 2017, mas sua história e arte vivem até hoje pelo mundo. Algumas de suas peças hoje são cartão postal do estado do Ceará, mas devido as recentes obras de requalificação da Avenida Beira Mar em Fortaleza podem oferecer risco a própria existências destas. 

O artista, se vivo, estaria com 91 anos. Em 2019, um evento em sua homenagem foi elaborado, onde 30 dias de residências artísticas na Universidade Regional do Cariri (URCA) em Crato, sua cidade natal, marcaram a história da influência deste a diversas outras manifestações oficinas e exposições que contemplaram sua contribuição na arquitetura com formas geométricas em formato ímpar. Em 2016 houve sua última exposição quando vivo, e diversas esculturas estiveram nos corredores da instituição de ensino, bem como em alguns pontos da cidade do Crato. 

Temendo risco da sobrevivência de três obras que integram a paisagem do litoral fortalezense, Dodora Guimarães, esposa e curadora de arte do artista, falou ao jornal O Povo sobre a situação das criações “Monumento ao Saneamento Básico da Cidade de Fortaleza” (1978), “Monumento ao Jangadeiro” (1992) e “La Femme Bateau” (1994) que já fazem parte do nosso principal cartão postal. A pergunta em questão para ela foi, “qual a situação dessas obras na Praia de Iracema?”.

Guimarães afirmou que acompanha a manutenção das obras desde quando o próprio Sérvulo era vivo, junto à Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor). Ela manifesta preocupação com algumas das esculturas, que desde o início da reforma dos locais onde estão localizadas, estavam sendo acondicionadas de forma inapropriada, comprometendo inclusive a estrutura destas. Segundo ela, a peça dedicada a homenagear os jangadeiros sofreu alterações na etapa da requalificação da orla entregue ainda em 2016, à época sob responsabilidade da Secretaria de Turismo, denunciando também a falta de apresentação da obra na perspectiva apresentada pela pasta. 

“Penso que que os autores do projeto de requalificação da av. Beira Mar desconsideraram a existência e a importância do ‘Monumento ao Jangadeiro’, escultura de Sérvulo Esmeraldo encomendada pelo prefeito Juracy Magalhães em 1992. E os executores da obra também. A escultura não constava na maquete virtual apresentada ao público. Pelo menos, não a vimos! A empreiteira Camargo Corrêa iniciou os trabalhos da reforma com a escultura no local, sem que fosse dada a ela nenhuma proteção. Depois, quando a mesma tornou-se um ‘empecilho’, ela foi deslocada e isto foi feito sem nenhuma atenção, sem nenhum cuidado museológico. Sim, museológico. Afinal, estamos tratando de uma obra de arte, de um patrimônio artístico, cultural e histórico. Um patrimônio cearense, brasileiro e universal”, afirma. 


FOTO: Gentil Barreira
Segundo Dodora, “a empreiteira retirou o ‘Monumento ao Jangadeiro’ do espaço designado como Praça do Pescador — que, naquela altura dos acontecimentos, já era um canteiro de obras — e a largou sem nenhuma proteção, sem nenhum respeito no terreno onde funcionava o seu escritório, na Varjota. Neste local, a escultura ficou exposta a todas as intempéries, jogada num canto do terreno, pelo tempo que durou a obra de reforma do trecho. Sérvulo Esmeraldo e eu a visitamos por duas vezes, sendo recebidos pela engenheira da obra. Sem respeitar as considerações do autor sobre os cuidados e o restauro a ser feito, a Camargo Corrêa encaminhou o ‘Monumento ao Jangadeiro’, com a permissão da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Fortaleza, para uma serralheria sem nenhuma qualificação para este trabalho tão específico, obedecendo certamente o critério do menor preço, que fez um arremedo num dos triângulos que entortou na retirada ou no deslocamento da escultura. Em seguida, deu uma mão de tinta na escultura, em vez de um trabalho de restauro como deveria ter sido feito. Por fim, não se sabe como, a instalaram no meio do passeio da Avenida, sem nenhuma aprovação do artista. É importante dizer que Sérvulo Esmeraldo estava vivo quando tudo isso aconteceu. Para completar a incompetência, a escultura foi equivocadamente instalada, em total desacordo com o projeto original. O ângulo e a inclinação que colaboravam no movimento e leveza da escultura foram adulterados. As duas hastes expostas, equivocadamente, dão uma feição de aleijo ao belo ‘Monumento ao Jangadeiro’. No projeto do artista, um é soterrado, sendo o outro levemente emergente. Lamentável. Soubemos por terceiros da volta da escultura à Avenida. Quando o Sérvulo a viu e constatou a ‘burrice’, ele lacrimejou e expressou: ‘Isso é um absurdo’. Virou o rosto e pediu pra ir embora. Muito triste”, relembra a curadora. 

Outros monumentos da orla 
Ela afirma ainda, agora de forma positiva, a situação da obra “Monumento ao Saneamento Básico da Cidade de Fortaleza” ou “Interceptor Oceânico”, cartão postal da Capital que lembra uma espécie de canudo. Este está ladeado por um espelho d’água no projeto de reforma da av. Beira-Mar. “Muito bem contemplado”, ressalta Dodora. “O espelho d’água dá uma boa preservação à obra. O Sérvulo tinha muito orgulho dessa escultura. Ele dizia que a beleza da obra era a parte que a gente não via: é a base dela, que é subterrânea. O milagre daquela escultura, aquele balanço dela, reside na base dela e foi toda calculada por ele. É uma grande obra de engenharia e não pode ser retirada do lugar. Se mexer naquela escultura, ela tomba”, pontua.

Uma das obras mais reconhecidas da ampla produção de Sérvulo Esmeraldo, “La Femme Bateau” estava disposta nas longarinas da Ponte dos Ingleses, mas naufragou em 2018 e ainda não foi recolocada no ponto turístico após seu resgate. “Graças ao empenho da Secultfor, os destroços da ‘La Femme Bateau’ foram encontrados e a escultura está aguardando o restauro para voltar ao local”, continua Dodora. A responsável pelos direitos autorais dos trabalhos de Sérvulo Esmeraldo compartilha que já recebeu propostas para vender o escultura, mas “a obra pertence àquele local e não vai sair dali, nós vamos respeitar o desejo do Sérvulo”. Em nota, a Secultfor afirma que “a escultura ‘La Femme Bateau’ será reinstalada após a conclusão da obra da Ponte dos Ingleses de responsabilidade do Governo do Estado do Ceará”.

Restauro das esculturas 
Outra situação ser considerada é a situação de preservação destas. Pichações, ferrugem e amassados tem sido identificadas em diversos registros feitos por transeuntes, que denunciam a falta de atenção da gestão municipal em mantê-las preservadas. A Secretaria de Cultura e Turismo de Fortaleza afirmou que “atualmente, a pasta municipal está elaborando um novo termo de referência para o restauro das esculturas ‘Monumento ao Jangadeiro’ e ‘Interceptor Oceânico (Saneamento Básico)”. Com isso, será lançado edital para contratar empresa especializada no restauro, garantindo higienização e principalmente evitar a corrosão das esculturas. 

Guimarães também afirma que estes procedimentos tem sido acompanhados e foram aprovados pelo Instituto Sérvulo Esmeraldo, detentor dos direitos autorais das esculturas. Argumento esclarecido também pela pasta, que afirmou em nota que a ausência das peças na maquete eletrônica se justifica apenas porquê esta é meramente ilustrativa, mas que até este momento, não houve nenhuma solicitação de remoção ou relocação do ‘Monumento ao Jangadeiro’. 

A curadora ressalta ainda a importância da atenção ao patrimônio público e manifesta sua revolta com o ocorrido. “A gente vê a depreciação do patrimônio como se não nos pertencesse. Isso importa a cada um de nós, não importa só à Prefeitura ou ao Estado: importa a todos nós. O que é público é nosso. Agora, estamos aguardando as licitações e quero lembrar que o que aconteceu ao ‘Monumento ao Jangadeiro’ foi um desrespeito assentado uma premissa de que o menor preço é o que vale. Essa obra foi restaurada naquela oficina porque eles fizeram como se estivessem restaurando a carroceria de um caminhão ou qualquer outra coisa, não uma obra de arte. O que os poderes públicos têm que entender é que, quando se pensa na licitação para restauro de uma obra de arte, é o restauro de um patrimônio e a mão-de-obra tem que ser especializada, tem que ser conhecedora, tem que ter aptidão reconhecida. O critério do menor preço pode destruir uma obra de arte, como o ‘Monumento ao Jangadeiro’ foi destruído e não é mais o projeto do Sérvulo”. 

Ainda para o O Povo, Dodora falou sobre qual a importância das esculturas para Fortaleza e para o Estado. 

“Eu gostaria muito que o patrimônio fosse mais respeitado, mais dignificado. O patrimônio não é só para hoje: é para sempre. A gente tem que pensar no futuro, daqui a 10 anos, daqui a 100 anos. Essas obras são projetadas para isso, para viver muito. O que vai ficar da nossa história são esses marcos que nós vamos construindo. Fortaleza é uma cidade de futuro. As obras de arte têm o papel de humanizar as cidades. Elas estão em nosso caminho não para embelezar, mas para nos sensibilizar, para nos tornar mais humanos. É uma tristeza o descaso com o que é nosso, porque Fortaleza é uma cidade tão viçosa, tão nova tão moderna, tão boa de se viver. No entanto, a gente permite que coisas tão simbólicas para nossa cidade sejam largadas. Mas, apesar de eu estar fazendo esse discurso, eu sou uma pessoa tremendamente otimista; eu acredito nas pessoas, eu acredito nas gestões.”

(Com informações do jornal O Povo e Site Badalo)

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