Engraxates Adão Damasceno e Antônio Batista, no Abrigo (Praça Demóstenes de Carvalho), no centro de Iguatu Foto: Honório Barbosa

Uma profissão que está desaparecendo e já se tornou praticamente esquecida, mas que até o fim do século passado compunha a cena urbana das praças: o engraxate. Nas cidades do interior é cada vez menor a quantidade desses profissionais. Os que resistem têm mais de 60 anos e se contam nos dedos de uma só mão. Na cidade de Iguatu, na região Centro-Sul cearense, são apenas dois em atividade. 

A dupla permanece diariamente na praça Demóstenes de Carvalho, o conhecido ‘Abrigo’ onde há um serviço de café tradicional que acolhe visitantes, aposentados e trabalhadores do centro comercial. “Antigamente, eram uns oito, um ao lado do outro, com suas cadeiras, e não faltava cliente”, lembrou Adão Alves Damasceno, 72 anos. 

Antônio Batista, 74 anos, é outro que resiste ao trabalho diário de dá brilho aos pés dos clientes e aos sapatos que chegam em sacolas. “O movimento diminuiu bastante”, lamentou. “Os jovens usam tênis, chinelas, e tem muitos calçados sem ser de couro, outro material que não pega graxa”. 

Segundos os dois engraxates, a aposentadoria no valor de um salário mínimo só paga as despesas de casa e alimentação. “O que a gente faz serve para a merenda, comprar outra coisa”, disse Batista. Eles conseguem com o trabalho a metade da renda oriunda da aposentadoria, ou seja, R$ 500,00 por mês. 

Adão Damasceno veio da cidade de Várzea Alegre em 1958 para trabalhar em uma olaria e depois resolveu ser engraxate. “Tive que trabalhar novo, meu pai morreu quando eu tinha dois anos”, contou. Casado, é pai de sete filhos. “Em 1961 consegui uma caixinha e comecei a engraxar, porque ter uma cadeira que era o meu sonho só para os mais velhos da época”. 

Sete anos depois, conseguiu a tão sonhada cadeira. Damasceno também trabalhou com engraxate em um hotel tradicional da cidade. “Levava as malas e engraxava os sapatos dos hóspedes”, contou. “Era bom”. 

Apesar das dificuldades advindas dos tempos modernos, os dois não reclamam. “Vencemos e já trabalhamos muito, mas continuamos na luta”, disse Batista. “Para quem não estudou, tá bom demais”. Ele criou três filhos. “Ninguém não quer mais vir para esse trabalho, não dá mais”, observou. “Os jovens estão envolvidos com droga ou querem outro trabalho e acho que quando a gente passar ninguém mais vai ficar aqui”. 

Sobre a fuga dos clientes, Damasceno resume: “A vida é assim mesmo”. Batista sentencia: “Só quem pode melhorar o mundo é Deus, pois não espero nada dos homens”. 

Até a primeira metade da década de 1980, os engraxates dizem que o movimento era bom e crescia de forma intensa na véspera das festas de padroeira, do tradicional baile do Algodão no Clube Recreativo Iguatuense, no Natal e na passagem de ano novo. “Às vezes a gente ficava aqui até seis horas da tarde para dar conta de tanta encomenda para engraxar”, lembrou Damasceno. Há 40 anos engraxavam cada um em média 50 pares por dia, mas hoje caiu para dez. O maior movimento era às sextas-feiras e aos sábados. 

O produtor rural, aposentado, Manoel Alves, 70, lembra dos tempos em que o Abrigo era cheio de “homens da política, de produtores de algodão, de gente de negócios, que vinha aqui para tomar o cafezinho e saber as novidades da vida da cidade”. O agricultor também recordou que sempre engraxou os sapatos no tradicional espaço da cidade. “Fazia parte”. 

Além do surgimento do tênis, dos calçados sintéticos e de camurça, os moradores mudaram o hábito e passaram a engraxar os sapatos de couro em casa, comprando a graxa líquida, instantânea, em mercadinhos, que é prática. “O serviço deixou de ser terceirizado”, observa o tabelião, Expedito Willame Assunção. “A tendência que veio para ficar”. 

A tendência de desaparecimento dos engraxates de mais idade e da não renovação do trabalho por pessoas jovens são comuns nas cidades do interior. As crianças e adolescentes que trabalham na atividade foram impedidas após ações de órgãos de fiscalização à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Sobral, no tradicional Beco do Cotovelo, na zona Norte do Estado, em Crato, na praça Siqueira Campos, e em Juazeiro do Norte, na praça Padre Cícero, no Cariri cearense, eram espaços urbanos que reuniam dezenas de engraxates. 

Crato 
Agora dois ou três resistem. É o caso do engraxate de Luiz Gonzaga, cantor e sanfoneiro, Francisco Amorim (Chaguinha), 67 anos, que começou aos 10 anos de idade. “Era uma criança”, frisou. 

Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves e o presidente militar Castelo Branco foram alguns personagens que sentaram na cadeira de Chaguinha. Há quatro década, ele engraxava 30 pares de sapato por dia. “Hoje em dia se fizer seis já é lucro, mas o melhor é que agora faço com calma”. 

O Dia do Engraxate é 27 de abril e a profissão se popularizou após a Segunda Guerra Mundial, mas começou no início do século XIX, segundo registros históricos.

(Fonte: Diário do Nordeste)

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