FOTO: Thiago Gadelha

Encerrar o 3º ano do ensino médio em 2020 e, no ano seguinte, voltar a estudar para cursar um 4º ano. A situação inédita, que já foi anunciada como uma ação a ser implementada no Maranhão e em São Paulo, devido à pandemia, é também avaliada pelo Governo do Ceará. Na primeira semana de outubro, a vice-governadora, Izolda Cela, disse ao SVM que a ideia tem sido avaliada. Agora, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que a criação da série está em estudo e, por isso, "não é possível ainda falar a respeito". 

Hoje, a rede estadual tem 98 mil alunos matriculados no 3º ano do ensino médio. De acordo com Izolda, é um desejo do Governo "garantir para aqueles meninos que estão no terceiro ano, e se sentiram muito prejudicados com relação ao Enem, eles terem oportunidade de terem um programa de estudo. De ter uma espécie de quarto ano. Tudo isso está sendo pensado e planejado”. 

A proposta que, segundo a Seduc, está sendo estudada no Ceará já foi adotada no estado do Maranhão, conforme anúncio feito pela Secretaria de Estado da Educação do Maranhão, em junho, e também na rede estadual de São Paulo, de acordo com comunicado do Governo realizado em julho. 

O acesso ao 4º ano letivo será opcional em 2021, nos dois estados, e a medida, conforme as gestões, busca garantir que os estudantes frequentem mais aulas e isso reforce a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros vestibulares. Ainda não se sabe se o 4º ano do ensino médio terá prova e reprovação. 

Redes têm autonomia para criar 4º ano 
A condição de criar um ano escolar a mais é permitida pela Lei Federal 14.040/2020, aprovada em agosto, que trata, dentre outros, do cumprimento dos dias letivos em 2020. Conforme a norma, cada sistema de ensino, em caráter excepcional e mediante disponibilidade de vagas na rede pública, pode “possibilitar ao aluno concluinte do ensino médio matricular-se para períodos de estudos de até um ano escolar suplementar”. 

A criação de um ano a mais no ensino médio, embora não seja um desejo generalizado, conforme avaliação de estudantes da rede pública, é uma proposta que considera as dificuldades e desigualdades de acesso ao ensino remoto. 

Para Maria Vitória Pimentel, estudante do 3º ano da rede estadual, o atual momento “tem sido uma experiência difícil de lidar. Não é só sobre o ensino estar de forma remota, mas também sobre o cenário que estamos incluídos. Ele requer bastante disciplina. Por esse motivo, a minha experiência não tem sido positiva”, conta. Ela diz que, por ora, não tem como afirmar se cursaria ou não a nova série. 

“Eu acho que sim. Não posso garantir, pois embora toda essa situação, a vida não parou, e ela não para. As cobranças sempre permaneceram e permanecem mesmo que a gente esteja em uma realidade desfavorável. Alguns colegas que estão tendo um baixo rendimento comentam que super fariam, mas já outros comentam que não, pois veem como atraso”. 

99% dos alunos da rede estadual inscritos no Enem 
No Ceará, 99% dos 98 mil alunos matriculados no 3º ano do Ensino Médio estão inscritos no Enem, segundo a Seduc. Vitória é uma delas. Apesar das dificuldades, ela relata que não desistiu. “Não me sinto preparada e de uma certa forma, abalada. Eu tinha muitas expectativas para este ano, me preocupo muito com o próximo”. 

Já Cauã Lemos, também estudante do 3º da rede estadual no Ceará, avalia que a experiência com as aulas remotas tem “sido boa, algumas pessoas conseguem estudar o que os professores mandam e toda semana tem aula e atividade”. Ele irá fazer o Enem e, em relação à criação do 4º ano, opina: “sinceramente não sei, muitas pessoas não são a favor do quarto ano, principalmente as pessoas do terceiro ano, já que a maioria quer entrar em uma faculdade logo e trabalhar para ajudar a família em casa”. 

A professora de matemática da rede estadual, Tyara Lima, afirma que ainda não viu nenhuma manifestação a respeito dessa possibilidade no nosso Estado. "Cogitou-se a possibilidade de uma espécie de 'cursinho', que  dependeria da data do Enem 2020. Mas nada oficial”. A profissional diz não saber se as escolas teriam estrutura para comportar novas turmas e ainda permanecer com os alunos que cursaram o 3º ano em 2020. 

“Pois tudo isso requer uma logística não somente de espaço, mas de recursos humanos. Mais turmas, mais profissionais. Na minha opinião, o Estado deveria ofertar, porém não de maneira obrigatória”. 

Outra professora da rede estadual, Marilene Magalhães Rodrigues, docente de biologia, avalia que nesse momento é necessário “muita escuta por parte dos gestores”. “Avalio que as aulas remotas acentuaram as diferenças sociais, muitos alunos com acesso irrestrito ao conhecimento e outros à margem. Então, por justiça, concordo que, dentre as políticas públicas a serem oferecidas, que poderiam mitigar esses extremos, seria oferecer um quarto ano, mas que o mesmo fosse oferecido de forma opcional”, relata. 

Ação é vista como resposta social 
“Por conta da pandemia, o que deve motivar a criação de um quarto ano no Ensino Médio no Ceará é a necessidade de segurança e de apoio que os estudantes da rede pública precisam nesse momento. Não é uma questão de pesquisa sobre o interesse ou não dos estudantes. O Estado precisa se antecipar. Em relação à aprendizagem e também no que se refere à convivência social, às questões psicológicas, aos laços afetivos e de amizade, as perdas com o ensino remoto são incontestáveis”, analisa o docente da Faculdade de Educação (FACED/UFC) e pesquisador Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR/UFC), Jackson Braga. 

O professor ressalta que a centralidade da aprendizagem deve ser “o próprio estudante e não os conteúdos curriculares”. Portanto, afirma “abrem-se duas frentes de trabalho para os educadores: a primeira, possibilitar que o aluno e a aluna escolham as disciplinas que mais sentem dificuldade de aprendizagem; a segunda, consultar e descobrir o que foi perda de aprendizagem e quais são os conteúdos curriculares mais difíceis e os mais exigidos e preparar uma boa revisão direcionada”. 

Ele reitera que o 4º ano não deve ser obrigatório, nem deve ter reprovação. “É fundamental que o governo do Estado garanta que vai destinar recursos exclusivos que podem ir desde a contração de novos professores ao uso de mais equipamentos tecnológicos. A verdade é que deixar nossos estudantes entregues à própria sorte em um momento tão difícil seria mais um descaso público”.

(Fonte: Diário do Nordeste)

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