FOTO: Alex Pimentel

Desenvolver ações assertivas no Semiárido e instituir políticas de enfrentamento às mudanças climáticas são dois pontos cruciais - e urgentes - que podem minimizar os - já visíveis - impactos presentes no Sertão cearense. O Estado do Ceará tem enfrentado longos períodos de estiagem e os efeitos desse fator vão além das dificuldades no abastecimento. As esferas sociais, econômicas e ambientais são afetadas. Desenvolver trajetórias mais resilientes, com foco no desenvolvimento sustentável é um gargalo presente nos estados nordestinos. 

No Ceará, uma parceria entre Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) objetiva avançar nessas questões. Com investimento superior à ordem dos R$ 6 milhões, o programa de estudos visa a redução de impactos ambientais por meio do desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. A pesquisa vai durar três anos. 

Como funcionará o Programa a ser realizado no Ceará, e qual seu objetivo? 
Na prática, os estudos serão conduzidos pela Funceme, em parceria com o Centro de Pesquisa Agrícola Francês para o Desenvolvimento Internacional (Cirad) e outras universidades e centros de pesquisa. Além dos estudos, serão realizadas capacitações e ateliês para trocas de experiências. Também haverá experimentações pilotas em alguns territórios, para testar modelos de gestão inteligente da água. 

O objetivo é refletir sobre a gestão dos territórios, saindo de uma visão setorial, para uma mais integrada, considerando as relações entre os recursos hídricos, a agricultura, a produção de energia. E também tentar vislumbrar trajetórias mais resilientes no tocante aos eventos climáticos, proporcionando assim o desenvolvimento sustentável. 

Esse será o primeiro estudo financiado pelo Programa no Brasil. Quais desafios foram identificados no Ceará que despertaram o interesse da AFD? 
O Nordeste, e especialmente o Ceará, enfrenta uma grave seca de vários anos que, combinada com o aumento da demanda nas grandes cidades, colocou a questão da água como uma agenda prioritária. Esta questão deve ser pensada de maneira integrada, levando em consideração seus vínculos diretos com a geração de energia, devido à importância da hidroeletricidade no Brasil, e a produção agrícola, que desempenha um papel de liderança na economia nacional. 

O apoio a este projeto faz parte do programa Facilité 2050, um mecanismo de financiamento criado pela AFD. Os desafios que o Ceará enfrenta estão alinhados aos objetivos da Facilité 2050, que são acompanhar a construção de trajetórias de desenvolvimento de longo prazo, que seja tanto de baixo carbono, quanto resiliente às mudanças climáticas. 

Com essa iniciativa, a AFD vem acompanhando de perto governos e instituições de cerca de 30 países, e agora o Ceará, nas suas estratégias de transição ecológica, conforme os objetivos fixados pelo Acordo de Paris.

Já existe o mapeamento de quais municípios serão monitorados para a produção dos estudos da AFD? 
O foco inicial do projeto será na região do Banabuiú e Médio Jaguaribe. Serão estudos sobre os impactos das mudanças climáticas, análises da pegada de carbono, hídrica e energética dos sistemas agrícolas locais, além do desenvolvimento de um sistema de inteligência territorial aplicado à área. 

O Ceará, por ser localizado no semiárido, historicamente convive com a escassez hídrica. Investir no desenvolvimento sustentável desse recurso limitado pode ser uma alternativa para ampliar a oferta da água mesmo em anos com pouca pluviometria? 

A AFD considera essencial apoiar a construção de políticas públicas em um Estado do Nordeste brasileiro como o Ceará, que é particularmente sensível às mudanças climáticas e tem demonstrado estar alinhado aos objetivos do Acordo de Paris. 

O objetivo é trabalhar a questão da oferta e da demanda de forma conjunta. Não se pode sempre resolver o problema da falta de água com aumento da oferta. O abastecimento em água tem que ser mais eficiente, mas, principalmente, mais resiliente, através de uma governança local e territorial que ajuda a balancear oferta e demanda. 

A gestão da água deve levar em consideração os desafios impostos pelas mudanças climáticas, a fim de assegurar uma melhor oferta dos recursos disponíveis no longo prazo. O projeto prevê a construção de cenários de gestão e uso da água adaptados à realidade local e voltados a uma utilização mais eficaz dos recursos hídricos disponíveis. 

O branqueamento dos corais já é uma realidade no Estado devido ao aumento da temperatura. Quais outros sinais de mudanças climáticas já são observados e quais os efeitos deles para os cearenses? 
As consequências das mudanças climáticas atingem o conjunto dos estados do Nordeste brasileiro, que devem se tornar mais afetados por condições climáticas extremas. Mudanças nos padrões de chuvas e eventos extremos, como ondas de calor mais frequentes e secas prolongadas, devem se intensificar nas próximas décadas. Essa situação é particularmente preocupante em áreas com desigualdade socioeconômica. 

Em termos de sinais que impactaram os cearenses, esta seca mais recente deve ser o mais claro. Segundo a Funceme, não temos nos registros sistemáticos algo similar ao que ocorreu durante estes últimos anos. Uma seca como a recente, de tal duração e severidade, seria esperada, em média, uma vez a cada 200 anos (no mínimo). 

O objetivo é prover insumos técnicos para a definição de políticas públicas na área, apoiando assim o Estado do Ceará na construção de sua estratégia de adaptação frente às mudanças climáticas. 

Para o Ceará, com bioma predominantemente na caatinga, quais os principais impactos a médio e em longo prazo da alta emissão de carbono? 
O Ceará como o mundo todo, já está sofrendo do aquecimento global que muda o regime de chuvas e aumenta temperatura e evaporação. O aumento da temperatura média e as mudanças no regime das chuvas contribuem para a aceleração do processo de desertificação na região, gerando impactos negativos diretos tanto em termos socioeconômicos quanto de conservação do ecossistema local. Uma vertente importante do projeto estará voltada à identificação e incentivo de práticas menos emissoras no setor agrícola. 

A caatinga pode sim ter um papel importante na sequestração do carbono e na moderação do aumento das temperaturas. Deve se trabalhar numa perspectiva de sustentabilidade econômica e ambiental ao nível territorial mobilizando inclusive mecanismos financeiros ao nível mundial que podem apoiar isto (mercado carbono).                      (Fonte: Diário do Nordeste)

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