FOTO: Natinho Rodrigues

Em todo o litoral cearense há presença de microplásticos, poluentes de tamanho menor do que cinco milímetros - sendo fonte de substâncias tóxicas e bactérias prejudiciais à saúde de animais e de seres humanos -, com concentração em Fortaleza, Icapuí e Acaraú. Além disso, mais da metade dos peixes da Praia de Iracema, na capital, apresenta esse tipo de lixo em seus estômagos. Descarte irregular de lixo pela poluição e gestão de esgotos estão entre as causas do problema, analisam especialistas. 

Tais constatações foram reunidas em dois artigos produzidos pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e publicados em revista internacional. O primeiro traz detalhamento sobre a poluição encontrada em todas as praias cearenses e, o segundo, a respeito de microplásticos em peixes coletados na Praia de Iracema, no Bairro Meireles. 

“No geral, os microplásticos estão com densidade baixa, mas em alguns locais como Fortaleza, Icapuí e na Região do Acaraú, deu bastante. Isso mostra que é um problema que está aumentando”, explica Marcelo de Oliveira Soares, pesquisador e professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da UFC. 

"Essa questão dos microplásticos se soma com outras dificuldades que nós estamos tendo como o aquecimento global, a pesca excessiva, a poluição por esgotos, os plásticos grandes". 

Os microplásticos tem origem nos produtos esfoliantes para pele e cremes dentais feitos com microesferas de plásticos, os do tipo primário, e na decomposição de objetos maiores como sacolas plásticas, os microplásticos secundários. Outras fontes estão no desgaste de roupas sintéticas lavadas em máquinas domésticas, que vão pelo esgoto até o mar, e redes de pescas descartadas irregularmente estão entre os poluentes que se depositam em altas profundidades. 

Pontos de atenção 
Marcelo Soares explica que os materiais encontrados e as características ambientais das regiões com maior densidade de microplásticos ajudam a compreender o problema. “Muitas vezes, as fibras são de restos de rede de pesca que ficam abandonadas no fundo do mar, mas têm características do oceano também. Por exemplo, lá no Icapuí tem um fenômeno que é tipo um vórtice e o material fica retido lá”, explica. 

Em espaços urbanos, o lixo gerado por banhistas ou em descartes irregulares chegam à faixa de areia e entram no mar. “Aqui em Fortaleza são atividades turísticas e recreativas e tem um detalhe: a água é mais parada e tem muitos quebra mares que ajudam a aprender os plásticos e os microplásticos porque a água não dispersa”, alerta. 

Lixo no estômago de peixes 
Os microplásticos se acumulam no fundo do mar e passam a interagir com os animais, como acrescenta o professor. “Alguns animais confundem o microplástico com alimento, outros a gente sabe que conseguem até colocar para fora. Um grande problema é que esses plásticos concentram contaminantes altamente tóxicos e algumas bactérias também”, detalha. 

Para conhecer os impactos deste tipo de poluição nos peixes, a doutora em engenharia de pesca pela UFC, Natália Carla Dantas, realizou pesquisa em que foram coletados 214 peixes da Praia de Iracema. Ao fazer a análise, a pesquisadora percebeu que 55% das espécies, cerca de 118 animais, apresentavam microplásticos nos tratos digestivos. 

Entre os peixes analisados, a pesquisa definiu a taxa de frequência da presença de microplásticos sendo: Bagre-gonguito (75%), Sardinha laje (65%), Palombeta (61%), Roncador (56%), Biquara (46%), Bagre (42%), Bagre-bandeira (37%). 

“Foi um fato chocante porque, quando a gente começou a abrir os estômagos, tinham muitos (microplásticos). De 10 espécies que a gente abriu, sete tinham microplásticos, a gente chegou a ver estômagos que tinham plásticos pontiagudos e rígidos”, lembra. 

“Na primeira vez que passamos a rede, a gente não conseguiu pegar peixes, mas só lixo. Principalmente copos plásticos, latinhas de cerveja e refrigerantes, garrafas pets, sacolas plásticas que quase entupiram a rede”. 

Em parceria com o Labomar e com o Departamento de Física da Universidade, Natália Dantas se dedicou a buscar as características dos microplásticos. Fibras de coloração azul estavam entre os principais materiais encontrados. “A origem é basicamente, por ser fibra têxtil, que a fonte mais provável seja resíduos das máquinas de lavar domésticas. Na Praia de Iracema a gente vê várias galerias ao longo do ano inteiro, que vão diretamente para o mar”, explica. 

Os efeitos sob a saúde humana e animais ainda são objetos de estudos entre vários pesquisadores, como pontua Natália Dantas, mas já se sabem que esses materiais carregam substâncias danosas. "Os microplásticos podem aderir, nas suas superfícies, compostos químicos persistentes. Esse processo pode vir se acumulando e chegar nós que nos alimentamos das espécies, esses compostos tóxicos podem ser passados ao longo da cadeia", reforça. 

Soluções propostas
Desenvolver novas tecnologias para o tratamento de esgotos, capazes de filtrar os microplásticos, e reduzir a quantidade de lixo que chega às praias estão entre as estratégias para minimizar o problema, como aponta Marcelo Soares, também cientista-chefe pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema) e pesquisador da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). 

“Mesmo nos locais onde há sistema de esgoto bom, eles não estão retendo. Uma outra estratégia é uma boa gestão dos resíduos sólidos, isso no nosso caso do Ceará é um problema, os municípios e o Estado tem trabalhado nesse tema, mas precisa muito da colaboração da população”, frisa. 

Em nota, a Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) informou que a limpeza da orla da cidade é realizada a partir de serviços executados pela Ecofor Ambiental e por equipes das Regionais. Na Praia de Iracema, a Secretaria especificou que a limpeza acontece diariamente. Entre os serviços, são feitas limpezas no calçadão, ruas, canteiros centrais, recolhimento de côcos na faixa de areia e recolhimento de resíduos. A população pode denunciar o descarte irregular de lixo pelo Canal 156. 

Já a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) informou que o monitoramento do esgoto tratado nas regiões em que a companhia atua é realizado em conformidade com a legislação, cujas determinações estão previstas nas resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema).

(G1 CE)

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