Cemitério do Bom Jardim, em Fortaleza, recebeu centenas de vítimas da Covid-19. FOTO: Paulo Alberto

Em nove meses, a Covid-19 levou Fernando, Aparecida, Ricardo, Zelinda, João Batista, Mirian, Carlos Alberto, Irismar, Vitor, Ana Cristina, José Maria, Lúcia, Evaldo, Normando. Em momentos diferentes de 2020, eles partiram levando memórias e deixando saudades a familiares e amigos. Até esta sexta-feira, 1º de janeiro de 2021, a doença pandêmica tirou a vida de 10.004 habitantes do Ceará, de acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

O número é maior que a população de 20 municípios cearenses com menos de 10 mil moradores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É mais que o dobro da população de Granjeiro, a menor do Estado, com seus 4,8 mil habitantes. É como se Deputado Irapuan Pinheiro, no Sertão Central, fosse varrida do mapa com seus 9,6 mil habitantes. 

O número também equivale a cerca de 18 exemplares do A380, hoje o maior avião de passageiros do mundo, cuja capacidade média é de 540 pessoas por voo. Também corresponde a 120 ônibus urbanos cheios, considerando a média de 83 passageiros informada nos veículos de Fortaleza. 

Tudo começou em 15 de março, quando os primeiros casos de Covid-19 foram confirmados em Fortaleza, em pessoas que viajaram para a Europa. Em 26 de março, José Maria Dutra, de 72 anos, residente de Fortaleza, foi oficialmente o primeiro paciente a falecer com a Covid-19 no Ceará. Hoje, o IntegraSUS revela que houve três mortes dois dias antes, em 24 do mesmo mês. 

Perdas 
Em meados de abril, a doença avançou em direção à Região Metropolitana e ao Interior. No início de junho, todos os bairros de Fortaleza apresentavam pelo menos um óbito pela doença. Em dezembro, com a primeira morte registrada em Antonina do Norte, todos os 184 municípios cearenses tiveram perdas fatais pela doença. 

“Teve uma época que não tinha máscara, material de proteção e ventilador mecânico em nenhum lugar do mundo. E o Ceará conseguiu, mesmo com as dificuldades, atender às pessoas”, lembra o secretário estadual da Saúde, Dr. Cabeto. 

Em Fortaleza, a auxiliar de farmácia Thaís Melo, 25, perdeu o pai no início de maio. Antônio Everton Chaves de Lima, 49, havia feito um check-up no início do ano e não tinha hipertensão ou diabetes. De cuidado, foi orientado apenas a melhorar a alimentação porque estava acima do peso. 

Em 24 de abril, o motorista de ônibus teve dores na garganta que pioraram até ele ser internado com dificuldades respiratórias num hospital particular, três dias depois. Com baixa saturação, recebeu uma máscara de oxigênio. Morreu em 2 de maio, à espera de uma UTI, em pleno pico da pandemia. Todas estavam ocupadas.

Hoje, a filha remonta a saudade do “torcedor fanático do Fortaleza”. “Ele gostava de brincar, de arengar, tinha muita simpatia e carisma. E sempre trabalhou muito desde muito novo, ia fazer 20 anos de empresa. Todos os dias, a gente lembra e o coração ainda fica apertado”, lamenta Thaís, que descobriu a primeira gravidez após a morte do pai e agora redobra os cuidados contra a infecção. 

Evolução mensal de óbitos 
31 de março - 25 
30 de abril - 867 (+842) 
31 de maio - 4.720 (+3.853) 
30 de junho - 6.742 (+2.022) 
31 de julho - 7.970 (+1.228) 
31 de agosto - 8.675 (+705) 
30 de setembro - 9.173 (+498) 
30 de outubro - 9.488 (+315) 
30 de novembro - 9.736 (+248) 
1 de janeiro de 2021 - 10.004 (+268) 

Para o Dr. Cabeto, a marca não pode ser vista apenas como uma estatística por refletir a perda de vidas. “Quando se trata de saúde, temos que estar todo tempo olhando a previsão epidemiológica macro, mas também o indivíduo. Na nossa função como médico, é preciso estar todo tempo pensando na pessoa e no todo. É com muita tristeza que vemos essa pandemia, mas é com assertividade que conduzimos as ações”, destaca. 

A infectologista Roberta Luiz, doutora em Medicina Tropical e médica do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), reforça que o autocuidado preventivo deve permanecer mesmo após o início da aplicação da vacina, prevista para o primeiro trimestre de 2021. A estimativa é que 1,2 milhão de doses cheguem ao Estado até fevereiro. 

“Se os resultados forem favoráveis, aí sim em 2022 a gente dispensa o uso de máscara. Mas a higiene das mãos e a etiqueta ao falar e espirrar devem ser mantidos porque isso faz parte da convivência social de todo mundo, não tem a ver só com coronavírus”, explica. 

A médica defende ainda que a população fora dos grupos prioritários para a imunização também deve continuar evitando aglomerações, principalmente no período de março a junho, quando aumenta a circulação de vírus respiratórios no Estado. 

Ciclos encerrados 
Além de liderar no Ceará, Fortaleza também é o município do Nordeste com mais óbitos, segundo o Consórcio Nordeste, ultrapassando Salvador e Recife. Os números ainda podem crescer porque 561 mortes ainda são investigadas, conforme o IntegraSUS. Atualmente, as cinco cidades com mais óbitos no Estado são: 

Fortaleza - 4.161 
Caucaia - 368 
Sobral - 325 
Juazeiro do Norte - 319 
Maracanaú - 264 

A Covid-19 foi letal principalmente entre a população idosa do Ceará. Segundo os dados do IntegraSUS, 7.825 pessoas com 60 anos ou mais faleceram; destas, 3.358 tinham 80 anos ou mais. A média geral de idade dos óbitos no Estado é de 70 anos. 

Entre abril e dezembro, ocorreram, em média, 37,8 óbitos diários por Covid-19. O mês de maio apresentou maior média em uma semana, com 147 registros, e teve o maior número de óbitos num único dia: em 11 de maio, 159 pessoas perderam a vida. Desde junho, há queda nos registros, que atingiram os menores patamares em outubro e novembro. 

Cenário 
Atualmente,  o Dr. Cabeto avalia que a rede pública não tem mostrado aumento de casos e óbitos como a privada vem apresentando. E tranquiliza: “o surto está mais restrito à Regional II (de Fortaleza, que abrange bairros como Aldeota e Meireles) e ao Litoral Leste do Ceará (onde ficam destinos turísticos como Morro Branco e Canoa Quebrada). Não há esse aumento em todas as regiões como se especula”. 

O secretário da Saúde chama atenção para a população jovem, que pode não desenvolver casos graves, mas transmitir a doença para pessoas mais velhas. “O adoecimento dessas pessoas pode ser catastrófico. É preciso um movimento de consciência para que a gente possa obedecer às normas sem causar revolta, negação da realidade, tristeza ou depressão. Uma sociedade madura se previne melhor e protege melhor os seus”, defende.

(Fonte: Diário do Nordeste)

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