Foto: Camila Lima

Você já imaginou pessoas que morreram há muitos anos, antes do surgimento da pandemia, terem sido vacinadas contra a Covid-19? E pessoas receberem uma terceira dose? Essas são algumas das suspeitas levantadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) no Ceará a partir de um cruzamento de dados que aponta supostas irregularidades na imunização em municípios cearenses.

De acordo com o levantamento do órgão, 21 pessoas falecidas aparecem na lista de vacinados do Sistema Único de Saúde (SUS) e outras 1.290 pessoas teriam recebido uma terceira dose. Mais de 100 políticos cearenses, entre vereadores, prefeitos e deputados, também estão na mira da investigação. 

A CGU no Ceará fez um cruzamento de dados em três "trilhas", com base em informações do SUS, do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Os bancos de dados pertencem ao Governo Federal, que tem adquirido as vacinas utilizadas nos estados e municípios até agora. 

FALECIDOS "VACINADOS" NO CEARÁ
Em uma das frentes de apuração, o levantamento aponta pessoas mortas que teriam recebido a vacinação contra a Covid-19 em 17 municípios cearenses, sendo três em Fortaleza. A maioria dos falecidos é idosa, com idade entre 70 e 90 anos, e morreu há muitos anos - uma das pessoas, em 2014. Na lista, alguns dos supostos falecidos imunizados já receberam até a segunda dose da vacina. 

O superintendente da CGU no Ceará, Giovani Pacelli, explica que outras pessoas podem ter usado os dados dos falecidos de forma indevida.

"O mais provável é que alguém de dentro do posto de saúde, que tenha acesso aos dados, tenha usado o cartão (do SUS) para vacinar outra pessoa. Na planilha, tem a hora em que aplicaram a vacina, o posto de saúde, e aí se tem condições de saber quem estava no posto, a escala (de trabalho)", detalha o superintendente da CGU no Ceará.

DOSE TRIPLA DA VACINA
Segundo Pacelli, todo o levantamento foi repassado ao Ministério Público do Estado (MPCE) para investigação. Porém, o mais grave, avalia o superintendente, pela quantidade de ocorrências, foram as supostas irregularidades detectadas na lista de pessoas que teriam recebido a vacina três vezes.

O Plano Nacional de Imunização, seguindo a recomendação de autoridades sanitárias e dos laboratórios produtores dos dois imunizantes com uso autorizado no Brasil, determina apenas duas doses. 

De acordo com os dados da CGU Ceará, 1.290 pessoas teriam recebido dose tripla de vacinas contra a Covid-19 em 58 municípios cearenses. Em primeiro lugar na lista, aparece Fortaleza com 293 pessoas, seguida por Paracuru, com 239 pessoas.

Entre as pessoas supostamente vacinadas três vezes há cozinheiros, seguranças, profissionais de Educação Física, funcionários do sistema funerário, recepcionistas e estudantes (o levantamento não cita de quais áreas).

De todo modo, há na lista profissionais que não são da área da Saúde, grupo prioritário na primeira fase, de acordo com os Planos Nacional e Estadual de Vacinação.

O superintendente da CGU frisa que os dados são "muito contudentes" e indicam a utilização indevida do cartão do SUS para vacinar terceiros.

"Alguém usou o mesmo cartão para tomar três doses? Toda a população está sendo instruída para receber duas. Alguém tomou uma dose usando o código (no sistema do Governo Federal) da pessoa. É difícil alguém contestar, porque ficou registrado três vezes no sistema", explica Pacelli.

O superintendente acredita que muitos gestores públicos não estejam cientes das possíveis irregularidades, porque estão "preocupados com o aspecto estratégico da pandemia", mas diz que os dados podem servir de alerta.

"Tem dois lados da moeda. Que bom que no Ceará 126 municípios não tiveram essa ocorrência, por outro lado, os outros municípios que tiveram terceira dose precisam revistar seus procedimentos internos, os gestores têm que chegar mais perto para ver o que está acontecendo", alerta.

POLÍTICOS NA MIRA
O órgão ainda detectou 136 políticos cearenses que estavam exercendo mandato até 2020 e receberam doses da vacina contra a Covid-19 neste ano. Eles aparecem com cargos na área da Saúde, mas, de acordo com o levantamento, até 2019, não ocupavam as funções. A suspeita é de que muitos conseguiram se reeleger e não estão na linha de frente contra a Covid-19. 

Na lista da CGU, aparecem prefeitos, deputados estaduais e federais, mas a maioria exerce a função de vereador. Mais de 100 parlamentares de câmaras municipais, supostamente, receberam a vacina sem justificativa. Um deles é de Fortaleza. De acordo com o levantamento, seria uma vereadora. 

"O Plano Nacional de Vacinação deixa claro que na primeira fase existe ordem de prioridade e, nessa ordem, quem está na primeira camada são as pessoas mais vulneráveis e profissionais de saúde que estão na linha de frente. Essa consulta pegou políticos que não estão na linha de frente. Eventualmente, podem ter terminado o mandato em 2020 e voltado a ocupar cargos, mas a gente sabe que o grau de reeleição de vereador não é pequeno", pondera Giovani Pacelli. 

PRÓXIMO PASSO
O superintendente da CGU no Ceará diz que o próximo passo, agora, é a apuração do Ministério Público do Estado e que qualquer eventual responsabilização ou punição aos suspeitos caberá ao órgão estadual. 

"As vacinas foram compradas 100% com recursos federais, mas o ato de vacinar a pessoa supostamente errada é da gestão estadual e municipal, então o MP se interessou nesses dados e a punição é no âmbito local", explica o chefe do órgão no Ceará.

Procurado pelo Diário do Nordeste, o MPCE informou que a apuração das suspeitas está a cargo das promotorias de cada município. 

"Neste momento, o MPCE não irá compartilhar detalhes a fim de não atrapalhar as investigações, que ainda estão no início", diz o órgão, em nota.

Enquanto isso, segundo Pacelli, a Prefeitura de Paracuru entrou em contato com o órgão e pediu acesso a lista para "aprofundar as ocorrências". A reportagem também aguarda manifestação da Prefeitura de Fortaleza.

Fonte: Diário do Nordeste

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