Novas vítimas denunciaram abuso sexual por parte dos mestres de capoeira (Foto: Reprodução/TV Verdes Mares)

O grupo de capoeira Cordão de Ouro decidiu afastar definitivamente os membros que são alvos das investigações de abuso sexual praticados por alguns mestres do grupo. Os crimes contra crianças e adolescentes ocorrem desde a década de 1970, conforme as testemunhas, e as primeiras denúncias foram registradas em 2020.

Foram afastados o mestre Eliomar Vale de Lima, Marcos Antônio Lopes de Sousa e Lúcio Flávio Campos Torres. O objetivo do afastamento é desassociar o grupo desses membros em possíveis atos ilegais que possam ter sido cometidos.

Novas denúncias no MPCE

O Ministério Público do Ceará (MPCE) recebeu, nesta segunda-feira (7), novas denúncias de capoeiristas contra mestres do Grupo Cordão de Ouro. A promotora de Justiça, Joseana França, ouviu os denunciantes.

Vários capoeiristas já haviam denunciado que mestres do Grupo Cordão de Ouro cometeram abusos contra crianças e adolescentes desde a década de 1970, passando de geração para geração. Os jovens e adolescentes recebiam promessas de viagens para eventos de capoeira, contudo, em troca, tinham que “carimbar o passaporte” — termo usado por eles para a relação sexual com os mestres. O grupo é um dos mais tradicionais e tem atuação em todo o Brasil.

Uma das novas vítimas que hoje tem 30 anos afirmou que quando era adolescente um dos mestres pedia para ele mostrar o seu corpo. Ainda segundo a vítima, o mestre prometia levá-lo para o exterior.

“Graças a Deus eu não fui uma vítima concreta assim de ter sido abusada. Apenas foram insinuações. Eu tinha na faixa de uns 12 ou 13 anos quando eu iniciei capoeira. Eu era muito inocente. Pedia para ver meu corpo e me pedia para continuar treinando que ele iria me levar para onde eles estavam no exterior”, afirmou.

Outras vítimas relataram a mesma história. Em troca de mostrar os seus corpos, os mestres ofereciam viagens e troca de faixas. Eles eram convidados para até a residência dos mestres, segundo as vítimas que compareceram nesta segunda-feira ao MPCE.

Início das investigações

Desde 2020, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) investiga lideranças do Cordão de Ouro devido às denúncias de abusos e estupro de vulnerável — como a lei brasileira tipifica a relação sexual com menores de 14 anos. De acordo com o órgão, cerca de dez vítimas fizeram acusações no estado contra vários mestres. Porém, os nomes de todos os envolvidos não foram divulgados para não comprometer as investigações.

Em nota, assinada pelo mestre Suassuna, a Associação de Capoeira Cordão de Ouro repudiou os crimes sexuais que teriam sido cometidos por integrantes do grupo e se colocou à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos. O G1 não localizou o outro mestre, nem os advogados responsáveis pela defesa dele.

“Eles chegaram aqui nos falando da prática, desse abuso, e que isso teria acontecido há muito tempo, e que muitos tinham silenciado, mas que agora estavam em um novo momento, sabem que essas práticas permanecem e que a única forma de coibir isso seria realmente falando”, revela Joseana França, promotora do Ministério Público do Ceará.

Conforme os relatos, o fundador do grupo, Reinaldo Ramos Suassuna, conhecido como mestre Suassuna, estaria entre os suspeitos do crime. Outra liderança, Marcos Antônio Lopes de Souza, o “Espirro Mirim” também teria praticado estupro contra algumas das vítimas.

Conforme a denúncia, os membros do Cordão de Ouro teriam se aproveitado da vulnerabilidade dos alunos para praticar violências sexuais no Ceará e em outros estados. A maioria das vítimas era do sexo masculino e tinha entre 11 a 18 anos.

“Eles poderiam ir para outras capitais, outras cidades, para poder fazer intercâmbio, fazer cursos, e era no meio dessas situações, para conseguir participar, que ocorriam os abusos”, reforça a promotora do MPCE.

‘Sentia muito nojo’

Após 24 anos do crime, uma das vítimas — que não vai ser identificada — resolveu quebrar o silêncio. Ele carrega marcas de uma situação traumática vivenciada quando era criança, com sentimentos iniciais de revolta e dor, que agora, mudaram pelo desejo por justiça.

“Eu sentia muito nojo. Eu cheguei em casa, tomava banho, quanto mais eu me esfregava, mais nojo eu sentia”.

Uma das vítimas de violência sexual praticado por mestres de capoeira do Ceará revela o trauma que passou após os episódios de abuso que aconteciam entre participantes do grupo Cordão de Ouro.

“Eu procurei meu professor na época, que era o Xingu [também do Cordão de Ouro], contei relatei todo o fato, e ele apenas disse ‘ah, o mestre é doido’, e começou a rir da minha cara. Então, a pessoa que era meu mentor na capoeira não me apoiou, eu ia achar apoio em quem? Por isso, esse tempo todo em silêncio”, complementa a vítima.

Fonte: G1 CE

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