Foto: Fabiane de Paula

Até a metade de junho, 302,3 mil doses de vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas pelos municípios cearenses em moradores de outras cidades, fossem de regiões vizinhas ou de áreas mais distantes. Em média, eles viajaram 413 quilômetros até o local de vacinação. 

Os dados são do painel de vacinação do grupo ModCovid19, analisados e disponibilizados pelo Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados (LED), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), de acordo com os registros abertos do Sistema de Informações do Plano Nacional de Imunização (SI-PNI).

O mapa revela as movimentações em busca de vacina dentro do Estado. Na Região Metropolitana de Fortaleza, no Litoral Leste e no Sertão Central, há um grande número de vacinados “exportados”, ou seja, que procuraram a imunização em locais distintos.

A Capital cearense lidera o ranking de recebimento de não-residentes. Segundo o painel, a maioria provém de Maracanaú (11%), Caucaia (8%) e Eusébio (3%). Todas são cidades vizinhas.

Em movimento inverso, a Capital também “exporta” muitos vacinados, sendo 12% para Caucaia, 5% para Maracanaú e 4% para São Paulo. Movimentações para outros estados também justificam uma quantidade maior de “exportados” - 310 mil - em comparação aos 302 mil “recebidos”.

Segundo o professor Krerley Oliveira, coordenador do LED, esses deslocamentos são conhecidos como “subfluxo de vacinação”

É um problema comum de um município que começa a vacinar a população de uma idade, por exemplo, e o município do lado ainda não começou esse grupo. Então as pessoas acabam indo para o que está vacinando, e isso causa um desequilíbrio.

Para o especialista, os gestores devem acompanhar a evolução dos dados para avaliar o andamento da vacinação.

No caso de pessoas que estão tentando se vacinar em municípios que apresentam ritmo de vacinação mais acelerado, o vice-presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), Rilson Andrade, reforça a necessidade de as pastas da saúde verificarem o comprovante de residência. 

O município tem que checar o comprovante de residência. Já teve uma pessoa cadastrada no Eusébio e em Aquiraz querendo se vacinar em Pindoretama, mas tem que ter comprovante de residência. A gente tem como acessar o cadastro da pessoa, e se não for do município, a gente não vacina.
RILSON ANDRADE
Vice-presidente do Cosems-CE

Como a distribuição da vacina contra Covid-19 nos municípios é realizada a partir do cadastro na plataforma estadual Saúde Digital, Rilson alerta que a imunização de pessoas de fora pode comprometer o controle do processo.

Em Fortaleza, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) declarou que “vacina os residentes”. A Pasta convoca os vacináveis com base no endereço do cadastro, portanto, a responsabilidade pelas informações apresentadas é do inscrito.

A Secretaria também lembra que falsificar informações é passível de punição.

O promotor de Justiça Eneas Romero, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (CaoSaúde) do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), corrobora que o ideal é que a vacinação ocorra no município de residência.

Tem que ser residente. Só ter um parente na cidade não é suficiente. É importante que não haja esse deslocamento porque está indo vacina para todos os municípios. Alguns estão mais adiantados, outros mais atrasados, mas como se unificou o critério de idade, isso tende a ir mais rápido.
ENEAS ROMERO
Promotor de Justiça

Romero frisa que, se não for comprovado vínculo com a cidade, pode sim haver recusa da vacina. Contudo, para a conduta ser enquadrada como um crime, teria de ser caracterizado o dolo, o que depende da análise de cada caso.

LONGAS DISTÂNCIAS
Um advogado que atua em Fortaleza se imunizou em Umirim, no Vale do Curu, após um trajeto de cerca de 90 km. Ele, que pediu para não ser identificado, afirma que tem duplo domicílio, embora só vá a Umirim aos finais de semana e nas férias. Seu domicílio eleitoral também é nessa cidade.

“Preferi lá porque tinha a possibilidade e pela maior celeridade. Uni o útil ao agradável”, justifica.
Mesmo que a média estadual seja de 413 km percorridos até o local de vacinação, segundo o painel, há cenários bem discrepantes. Enquanto na Região Metropolitana esses deslocamentos fiquem em torno de 150 km, pessoas do Interior podem percorrer mais de 1.000 km para a imunização.

O recorde é de Ipueiras, no Sertão de Crateús. Quem saiu de lá para outra cidade percorreu 1.005 km de distância média entre a residência e o centro de imunização. Em seguida, vêm Altaneira (947 km), Poranga (920 km), Croatá (905 km) e Deputado Irapuan Pinheiro (902 km).

PROBLEMAS NO PROCESSO
Em nota técnica publicada nesta semana, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) chama atenção para que “alguns municípios da mesma região metropolitana podem ser sobrecarregados pela procura por vacinas originada de municípios vizinhos”.

Conforme levantamento do órgão, o Ceará é o 4º Estado que vacinou pessoas com maior distância do local de residência. A lista inclui Distrito Federal (com distância média de 790 km), Amazonas (647 km), Roraima (506 km), Ceará (398 km) e Rio de Janeiro (362 km).

“Alguns desses fluxos se dão a uma longa distância e com um número alto de doses, o que pode ser resultado da incapacidade de atendimento da região de origem para a vacinação, ou a atração que alguns municípios, com calendário já avançado, exercem sobre moradores distantes em busca de vacinas”, explica.

A Fiocruz conclui que a vacinação é um procedimento “de baixa complexidade” e que deve ser realizado na atenção básica de saúde, sendo dispensável o deslocamento de pessoas em busca da vacina até mesmo para evitar possíveis contágios das mesmas durante os deslocamentos.

Fonte: Diário do Nordeste

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