A Agência de Turismo Comunitário, criada há quase dez anos em Nova Olinda, tem o objetivo de oferecer roteiros com uma maior imersão no Cariri. Foto: Divulgação

A Agência de Turismo Comunitário, criada há quase dez anos em Nova Olinda, tem o objetivo de oferecer roteiros com uma maior imersão no Cariri, gerar renda para as famílias envolvidas e integrar o turismo a um novo olhar de relação entre as pessoas. Contudo, a chegada da pandemia da Covid-19 diminuiu em cerca de 90% o número de turistas, que começam a retornar com a flexibilização.

As adaptações foram necessárias e o trabalho precisou se reorganizar. Aos poucos, os visitantes estão reaparecendo, mas ainda de forma discreta. Com a recepção de idosos, o cuidado continua sendo fundamental, mesmo com uma flexibilização maior das medidas sanitárias nas últimas semanas.

Com ou sem mudanças, a essência do turismo de base comunitária se mantém. A organização apresenta a região não só nos seus pontos de visitas mais populares, mas também imergindo o visitante em um contato intenso com, por exemplo, mestres da cultura e dos saberes.

CRIAÇÃO
Longe da ideia do turismo mais convencional, a Agência de Turismo Comunitária surgiu a partir de um olhar não só para as riquezas naturais da região do Cariri, sobretudo da Chapada do Araripe, mas também sua riqueza cultural.

Havia muito uma competição ‘estética’ nos roteiros entre as chapadas brasileiras, mas aqui tem um lado que não é mostrado. Apresentamos uma nova forma das pessoas se hospedarem e ter como maior atrativo nossos mestres de cultura, os mestres do saberes. Para o brasileiro conhecer o próprio Brasil, o Brasil de dentro”
Junior dos Santos
Coordenador do trabalho

O contato com os mestres, segundo Junior, vem desde sua infância, numa relação de confiança criada desde os encontros nas feiras. Mestre Françuli, por exemplo, agricultor reconhecido como artesão por fabricar aviões de flandre, é figura desde o seu tempo de criança. “Fomos resgatando todos os elementos, como patrimônio, história e tornando os roteiros uma dinâmica de experiência”, explica. 

A agência criou a chamada Expedição Chapada do Araripe, que deixa de tratar o turismo como roteiro, mas oferece um mergulho do visitante na vida de pessoas locais, como agricultores familiares, por exemplo. “A gente tem trabalhado uma forma de mudar o olhar de quem viaja, que saia da zona de conforto, de contemplar e descansar e entender que tudo pode transformar a vida das pessoas. Entendendo o seu dia a dia”, detalha. 

O contato com diferentes pessoas oferecem tradições diferentes, que vão do cultivo ao artesanato. Como exemplo, o coordenador do projeto cita as comunidades no entorno da Pedra do Reino, em São José do Belmonte, no Pernambuco, onde predomina o trabalho com o catolé, um fruto proveniente de uma espécie de palmeira.

Já do outro lado da Chapada do Araripe, encontra-se Várzea Queimada, no Piauí, onde vivem pessoas que sobrevivem do trabalho com a fibra de carnaúba. 

“O turismo convencional coloca a média de capacidade de visitação do Cariri de três a quatro dias, mas aqui acredito que pode passar, pelo menos, 20 dias. São muitas experiências oferecidas”, acredita Junior. 

GERAÇÃO DE RENDA
O turismo de base comunitária adotado pela Agência envolveu, ao longo destes dez anos, mais de 300 famílias espalhadas pelo Cariri. Segundo Junior, a estimativa é de um impacto de mais de R$ 7 milhões na vida destas pessoas, que podem ser artesãos, mestres da cultura, cozinheiras, agricultores familiares, por exemplo. 

Há 20 anos, inclusive, um grupo de mães dos jovens que participam da Fundação Casa Grande - Memorial Homem Kariri, em Nova Olinda, começou a abrigar os primeiros visitantes que chegavam ao município como forma de suprir a carência de hotéis e pousadas existentes na localidade. O trabalho foi dando certo e se tornou parte dessa rede, como o projeto de pousadas domiciliares. 

Ao todo, 12 famílias se revezam para receber turistas do Brasil e do mundo no aconchego de casa, vivendo a rotina de seus moradores.

Italianos, franceses, norte-americanos, canadenses, portugueses são só alguns dos visitantes que já se hospedaram. Em todo o território da Chapada do Araripe, a Agência de Turismo Comunitário calcula entre 140 e 180 leitos semelhantes, na zona rural e urbana, oferecidas para os turistas que visitam a região.

Na avaliação de Junior, é importante que esta renda seja uma complementação em cima do trabalho já desenvolvido por estas pessoas, como os mestres que recebem os visitantes. “Para não deixar de ser artesã para ser dono de pousada. Como estaria, por exemplo, numa pandemia como esta?”

Dentro deste circuito também estão moradores que oferecem alimentação ou estabelecimentos que integram este trabalho. A empresária Marivam Rodrigues, que possui um restaurante dentro da sede da Fundação Casa Grande, estima que mais de 90% dos seus clientes são turistas. “Em um dia, por exemplo, acabo tendo 30 clientes diários, mas numa só visita acabo recebendo 80  a 100 pessoas”, descreve. 

Além disso, a renda gerada acaba movimentando toda a economia da cidade, que tem apenas 15 mil habitantes. “A gente faz o dinheiro circular comprando em frigoríficos locais, nos mercados ou nas feiras”, reforça Merivam. 

Hoje, a agência oferece o serviço desde a compra da passagem aérea, oferecendo uma cotação. O interessado pode fazer o roteiro em carro alugado ou próprio do projeto. O serviço inclui hospedagens, transporte e o serviço de guias. Em média, tudo isso, em aproximadamente sete dias, vai custar entre R$ 2,5 mil a R$ 3 mil.

IMPACTO DA PANDEMIA
A chegada do coronavírus impactou diretamente o turismo e com a agência não foi diferente. Em 2019, foram atendidas, segundo Junior, entre 3 a 4 mil pessoas. Esse número reduziu-se em cerca de 90%, no ano passado. “Foi um choque, primeiramente. Nunca vi a Fundação Casa Grande fechar as portas. E isso levantou muitas dúvidas. A minha única renda é a alimentação. Ainda está meio complicado, mas já está melhorando”, desabafa Merivam. 

Além disso, os roteiros foram readequados. Apesar de todos os mestres visitados já estarem com o ciclo vacinal completo, ou seja, tomaram as duas doses, Junior só vai ofertar visitas para aqueles que tomaram a dose de reforço. “Os que ainda não tomaram a terceira dose, vamos resguardá-los”. 

Mesmo com a retomada, ainda haverá outros cuidados: “Um mestre que mora numa área de 50m² não tem como levar ou fazemos atividades diferentes, como encontros nos seus terreiros. Esse processo teve que ser readequado, mas não foi tão complexa”, explica.

As pousadas domiciliares também foram afetadas. Maria Macêdo, por exemplo, que faz parte do projeto, já recebe hóspedes há quase dois anos. “Estamos até desacostumados, mas esperando o que pode acontecer, o que vai definir”, explica. De acordo com o coordenador do projeto, as famílias que hoje recebem visitantes são de pessoas fora do grupo de risco, diferente de Maria, que já é idosa. “São casais entre 25 e 35 anos”, descreve. 

Por outro lado, Junior acredita que a pandemia estimulou o turismo local, entre brasileiros, pelos bloqueios sanitários impostos por outros países e isso pode ser positivo nesta retomada. “O turista brasileiro consome muito no seu entorno e tem se voltado ao turismo de experiência. Mesmo que ainda não tenha tantas pessoas que viajam para aprender com o lugar, isso leva tempo, já começam a vir no Cariri no próprio formato que construiu, em ser um pensamento de construir um diálogo”, finaliza Junior. 

A Agência de Turismo Comunitário recebe agendamentos de visitas pelo telefone (88) 997294103 ou na sua página no Instagram.

Fonte: Diário do Nordeste

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