Romaria da Menina Benigna em Santana do Cariri em 2018. Foto: Reprodução

No ano que marca oito décadas do martírio da Menina Benigna, o Ceará registrou 715 crimes de estupro de vulnerável entre janeiro e julho. Venerada como mártir na região do Cariri, Benigna virou símbolo da resistência contra feminicídio e violência sexual contra crianças e adolescentes após ser assassinada ao recusar ter relações sexuais com outro jovem do município.

Benigna Cardoso da Silva nasceu em 15 de outubro de 1928 no Sítio Oiti, em Santana do Cariri. No dia 24 de outubro de 1941, foi assassinada aos 13 anos por Raul Alves, com golpes de facão. A recusa da adolescente, junto a fé e devoção cristã, tornaram a 'Menina Benigna' — como ficou conhecida — uma mártir, que move romarias até hoje.

Benigna está em processo de beatificação junto ao Vaticano e conta com romarias crescentes à cidade de Santana do Cariri, onde tem a história relembrada continuamente pelos admiradores da jovem.

Ainda que a lembrança do episódio seja cada vez mais reforçada, os crimes sexuais contra menores ainda é um problemática no Ceará, com um aumento de casos entre 2020 e 2021. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informou que, com base no Código Penal, foram registrados 715 crimes de estupro de vulnerável entre janeiro e julho de 2021. Nos sete primeiros meses do ano passado, foram 610 ocorrências.

Os dados compilados pela Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), vinculada à SSPDS, mostram, contudo, que houve redução de 28,57% das ocorrências de exploração sexual contra crianças e adolescentes, nos sete primeiros meses deste ano.

No ano passado, foram registrados 25 casos, sendo 14 entre janeiro e julho. Em igual período de 2021, foram 10 ocorrências do crime tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Símbolo de resistência
Nesta sexta-feira (15), Santana do Cariri começa as celebrações que reúnem diversos fiéis da jovem símbolo da castidade. Conforme Ypsilon Felix, organizador da romaria e devoto de Benigna, um público cinco vezes maior que a população do município toma as ruas nas peregrinações.

As celebrações à menina vão acontecer em um novenário que segue desta sexta até o próximo dia 23. No dia 24, os romeiros rememoram os 80 anos do martírio de Benigna.

“Esse ano estamos com um ânimo maior porque a romaria vai poder ser celebrada tanto no formato híbrido, quanto virtual, já que os casos de Covid-19 na cidade amenizaram um pouco. A gente vai conseguir ter uma participação maior de fiéis, mas, claro, respeitando todos os protocolos”, comenta Ypsilon.

Uma cerimônia de oficialização pelo Vaticano é a única peça que falta para que a Menina Benigna se torne a primeira beata do Ceará reconhecida oficialmente e a quarta brasileira mártir.

A solenidade de beatificação está suspensa. Deveria ter ocorrido em outubro do ano passado, mas devido à pandemia de Covid-19, o Vaticano adiou a data. Até o momento, a Igreja Católica segue sem data definida.

“A expectativa é muito grande por essa solenidade, já são dois anos esperando. Desde quando o Papa Francisco assinou o decreto reconhecendo o martírio. Só falta, no momento, a cerimônia para que Benigna seja declarada beata ou bem-aventurada, como pode ser chamada”, complementa Ypsilon.

Violência sexual contra crianças e adolescentes
O crime que tornou Benigna símbolo de resistência e devoção por vários fiéis ainda é presente, inclusive em locais que deveriam ser sinônimo de proteção, respeito e cuidado, como nas próprias casas. Contudo, é no contexto familiar, onde grande parte dos casos acontecem.

“A maioria dos casos acontece dentro do seio familiar e a família tem uma tendência natural à auto-proteção. Então, é muito difícil que uma pessoa fale mal da própria família ou coloque em risco aquele núcleo familiar. Se a criança trouxe alguma fala com relação a isso [abuso sexual], é importante que seja averiguado”, alerta Renata Mariano, assistente social do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca).

Por isto, é também na família onde os sinais de um possível crime precisam receber a devida atenção. A assistente social alerta sobre as mudanças de comportamento nas vítimas.

“Qualquer comportamento fora do comum, por exemplo, se a criança é comunicativa e passa a se apresentar de maneira mais fechada, já é um alerta para alguma coisa que pode ser, inclusive, uma violência sexual”, explica Renata.

A assistente social informa que muitas vítimas encontram dificuldades em revelar o abuso por conta de um sentimento de culpa, muitas vezes reforçado pelo próprio agressor.

Renata alerta para comportamentos também que devem ser observados nos agressores em potencial, como brincadeiras de cunho sexual e/ou tentativas de desacreditar o que a criança e o adolescente dizem.

“Às vezes, a criança também demonstra receio com relação a algum adulto da convivência, alguém que ela não quer ficar na presença, na companhia daquela pessoa, não aceita ficar sozinha, rejeita um cumprimento ou abraço”, complementa a representante do Cedeca.

Fonte: G1 CE

Post a Comment