Crato já possui edificações em áreas de risco. Uma delas fica entre os bairros Batateira e o Seminário. Foto: Antonio Rodrigues

A Justiça do Ceará anulou lei municipal do Crato que permitia a construção de casas em uma área de proteção ambiental. A anulação aconteceu em novembro passado, com decisão do José Batista de Andrade, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Crato. Na segunda-feira, 10 de janeiro de 2022, o procurador Martinho Olavo Gonçalves conversou com a jornalista Nildenia Damasceno, na rádio CBN Cariri, e explicou o processo que partiu de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE).

“O Ministério Público Estadual, através da 1ª Promotoria Oficiante no Crato, moveu uma ação pedindo para que o Poder Judiciário suspendesse a eficácia da norma, em virtude de ela violar preceitos constitucionais", explicou o procurador. "O pedido se ateve à Constituição do Estado do Ceará, que prevê, para leis que alterem o regulamento de Uso e Ocupação do Solo, a prévia consulta à população e a organizações sociais da sociedade civil, que não foi obedecido."

Segundo o procurador autárquico do Estado e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB Ceará, a lei violava preceitos constitucionais de proteção ao solo, além da flora e fauna local. Ele ressalta que a lei foi declarada inconstitucional pois violava o princípio da proibição de retrocesso ecológico. Segundo a Constituição Federal de 1988, é proibida a promulgação de normas que possam ser menos protetivas do que as preexistentes, prejudicando direitos da comunidade e do meio ambiente.

Martinho Olavo ainda aponta que, caso continuassem em vigor, as alterações da APA do Rio Batateiras causariam interferências na qualidade dos recursos hídricos e do solo, na estabilidade geológica e no fluxo gênico da fauna e da flora. “O local é um habitat para reprodução do soldadinho-do-araripe, uma ave ameaçada de extinção da região do Cariri. Isso seria prejudicado, uma vez que essa lei autorizaria o desmatamento e a retirada de coqueiros nativos que existem naquela região”, exemplifica.

O procurador também ressaltou estudo desenvolvido pela Universidade Regional do Cariri (Urca) e que comprova a direta influência do desmatamento na Chapada do Araripe com a proliferação da Doença de Chagas. A doença é causada a partir da picada do besouro barbeiro, vetor de transmissão do protozoário Trypanosoma cruzi.

“Outro impacto é o aumento (do aquecimento) do microclima urbano, uma vez que diminui a cobertura vegetal, que garante uma melhor unidade e uma temperatura mais amena”, continuou Gonçalves. O procurador ainda garante que a decisão de anular a medida da Câmara de Vereadores do Crato vai ao encontro do artigo 225 da Constituição, que estabelece que o Estado deve garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a gerações presentes e futuras.

Em nota, a prefeitura do Crato disse que concorda em parte com o Ministério Público, ressaltando a necessidade de um estudo mais aprofundado das localidades. "A administração vem dialogando com o Ministério Público e se compromete em agir em favor da população e do meio ambiente", garante. Conforme a gestão, um novo projeto está em fase de estudos e o município está fazendo revisão do plano diretor e da lei de ocupação e uso do solo.

Entenda o caso
Em 21 de dezembro de 2020, o projeto, de autoria do ex-vereador Pedro Alagoano, foi votado e aprovado pela Câmara Municipal cratense. O projeto chegou a ser vetado pelo prefeito, mas o veto acabou sendo derrubado pelos legisladores do município. A lei nº 3730/2021 foi aprovada em 2021 e permitia que, na região, cada hectare receba até 250 habitantes. Sua anulação aconteceu em novembro passado, com decisão do José Batista de Andrade, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Crato.

A Zona Especial Ambiental (ZEA) do Rio Batateiras é uma das sete ZEAs que foram implantadas no Crato em 2009. Entre seus objetivos está a preservação ecológica, a proteção de recursos hídricos e para impedir o surgimento de novas áreas de risco. Nelas, não são permitidas edificações, mas, nos locais, de maioria privada, podem ser realizadas atividades agrícolas, esportivas e de lazer, desde que não afetem as características naturais. (Colaborou: Marcela Tosi e Leonardo Maia).

Fonte: O Povo

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