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Ter menos comida no prato continua fazendo parte do cotidiano de muitos cearenses durante a pandemia e, entre os pequenos, está relacionado também à falta de pagamento por pensão alimentícia. No Estado, 76 prisões aconteceram por esse tipo de descumprimento no último ano - mais do que o dobro de 2020, quando foram 29 detenções. Ausência que ultrapassa o físico e repercute no emocional.

O início deste ano acompanha a crescente dos casos: 41 mandados de prisão por falta de assistência alimentar foram cumpridos entre janeiro e abril de 2022. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Ainda que os números alertem para o cenário, a situação mesmo pode ser muito mais grave por causa da quantidade de mandados em aberto, como contextualiza o defensor público Sérgio Luís de Holanda Araújo.

“Existem famílias que estão aguardando cumprimento. Para se ter uma ideia, na unidade em que eu trabalho, - 9ª Vara de Famílias -  existem mais de 140 mandados abertos em andamento. E são 18 varas.”

Sérgio Luís também é supervisor das Defensorias de Família em Fortaleza pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE). Ele explica que as prisões desse tipo foram retomadas em dezembro do último após mais de um ano para evitar a transmissão da Covid.

A relevância desse instrumento legal, como explica, é gerar constrangimento para que os valores não deixem de ser repassados. “É a única hipótese de prisão por dívida autorizada na constituição”, acrescenta.

Os devedores de pensão, entenderam que não tinham que pagar e que não ia ter consequências nenhuma. Isso gerou um problema grave em relação às crianças, que passaram mais tempo em casa, com mais necessidade de alimentação
SÉRGIO LUÍS DE HOLANDA ARAÚJO
Defensor público

Quanto tempo de atraso da pensão alimentícia pode levar à prisão? A Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015, estabelece que a autorização para a prisão civil do devedor é feita com 3 prestações não pagas e as que se vencem durante o processo.

O Capítulo IV da legislação também aponta que, em caso de descumprimento da obrigação, a prisão pode se estender de um a três meses.

Desgaste constante
Há 3 anos e meio veio o divórcio consensual e o compromisso do pai em contribuir com os gastos dos filhos - agora com 7 e 11 anos. Desde então, a ausência e os atrasos no pagamento foram o resultado e se intensificaram nos últimos 6 meses.

“É muito desgastante ficar ligando, cobrando, fica um ciclo vicioso. Você acaba não trabalhando direito, nem dando atenção às crianças. Atrapalha a vida de um modo geral”, observa a assistente financeira, que terá a identidade preservada.

Por isso, ela conta que foi aberto um mandado de prisão contra o ex-parceiro e uma nova audiência foi marcada para o dia 21 de junho.

A mulher buscou a Defensoria Pública tanto pelo descumprimento do compromisso afetivo, do acordo de encontros quinzenais com os filhos, quanto pela falta de pagamento da pensão.

“Depois de um ano do divórcio aconteceu a pandemia. Eu trabalhava num escritório há 10 anos e pedi demissão para ficar com as crianças, porque eu não teria como deixá-las (sozinhas)”, lembra.

Ainda assim, ela passou numa seleção para um emprego onde conseguia trabalhar de casa. “Isso foi importante porque eu pude estar mais próxima dos meus filhos”, reflete.

Eu conversei muito com eles sobre a situação do pai, porque não é fácil e assim que nós nos separamos, eu precisei levar as crianças para psicólogo. Eu também passei por sessões e foi dessa forma que eu consegui me manter
MÃE
Identidade preservada

Com a melhora do cenário da pandemia, a mulher retomou o antigo emprego e a rotina de estudos fora de casa. Nisso, precisou adequar a logística para que os filhos pudessem ser bem acompanhados.

Ela pediu ajuda com o pagamento da escola em outubro do ano passado, quando foram feitas as matrículas, mas recebeu uma resposta negativa. Foi nesse momento também que o homem deixou de procurar os filhos.

"'Ah, mamãe, o papai nunca tem tempo pra gente'". Eles sabem que eu trabalho muito, mas eu procuro honrar a responsabilidade que eu tenho: sou mãe, trabalho fora, estudo e tenho uma rotina de atividades com eles", frisa.

É bem difícil toda essa situação que muitas mães passam, eu tô sentindo na pele e hoje, depois de 3 anos e meio, eu consigo lidar de uma forma mais positiva. Mas eu confesso que no começo foi algo muito desesperador e eu tive que passar por muitas situações difíceis
MÃE
Identidade preservada

Os dois pequenos são resguardados, como possível, desse desgaste, mas não deixam de sentir o impacto.

“Meu filho de 11 anos ficou durante alguns meses bem agitado, inclusive, me perguntava se foi ele que causou a minha separação. Eu tive que conversar e explicar que nós sempre seríamos a mãe e o pai dele. Que ele só nos trouxe alegria”, finaliza.

O que leva um pai a não pagar a pensão?
A assistência material aos filhos é uma obrigação legal, mas antes de tudo moral, como define Sérgio Luís. Entre os motivos para não pagar a pensão, o egoísmo e o abandono são recorrentes.

“A maioria não mantém vínculos afetivos e é mais fácil abandonar quem você não tem contato ou sentimento algum. Eles entendem que o outro lado é quem tem que sustentar”, reflete.

Tem um pensamento equivocado de achar que o dinheiro que está pagando vai ser usado para outras finalidades, que a genitora que está com a criança vai usar o dinheiro em benefício próprio quando, na verdade, é uma renda mínima. Não dá nem para sobrar
SÉRGIO LUÍS DE HOLANDA ARAÚJO
Defensor público

Outro fator está ligado ao aumento do desemprego durante os dois últimos anos. Ainda assim, a responsabilidade com a criação dos filhos deve ser prioridade para os pais.

“Pode não existir emprego, mas existe trabalho. Não dá para esperar o melhor momento para pagar a pensão, porque a criança precisa comer todos os dias”, frisa. Em casos de perda da renda, é possível entrar com ação para redimensionamento do valor a ser pago.

Não há uma determinação na lei sobre o valor a ser pago mensalmente para a alimentação de uma criança, mas existem critérios que consideram a necessidade, renda dos pais e proporcionalidade - para que a pensão seja condizente com o padrão de vida de que vai pagar.

Em alguns casos, o cálculo exige mais esforço. Por exemplo, profissionais autônomos terão a renda dos últimos meses avaliadas para estabelecer uma média.

"Quando não tem como apurar ou comprovar a renda média da pessoa, então se considera o parâmetro de um salário mínimo, porque se presume quem vai pagar tem essa capacidade", explica.

20%
Em geral, a pensão alimentícia varia entre 20% e 30% da renda de quem vai pagar o valor, conforme o defensor público.

Onde buscar ajuda?
A Defensoria Pública oferece serviço para mediar as famílias em busca de regularizar a situação quanto à pensão alimentícia.

Fonte: Diário do Nordeste

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