FOTO: Marciel Bezerra

Para o sertanejo, a chuva é como a esperança que faz germinar o plantio. Não há simbiose maior do que a do homem do campo com a água que cai do céu. Para uma região Semiárida como a que está inserida o Ceará, chuva é sinônimo de fartura e, mais, de dignidade. Neste ano de 2022, já há o que agradecer e comemorar.  

A quadra chuvosa chegou ao fim ontem, dia 31 de maio, com acúmulos de bons números e recordes conquistados. Entre fevereiro a maio, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) contabilizou o acumulado de 614,7 milímetros de chuva, o que representa 2,3% além da média histórica para o período, que é de 600,7 mm.  

Esta é a terceira melhor quadra chuvosa dos últimos dez anos, atrás apenas de 2020 e 2019, com 727 mm e 671 milímetros, respectivamente. O volume pluviométrico registrado neste ano é superior ao acumulado na quadra de 2021, cujo índice foi de 531,9 mm.



Dos quatro meses que compõem o período, apenas fevereiro ficou abaixo da média histórica. O mês fechou com 64,5 milímetros, quase 50% inferior à normal climatológica (118,6 mm). Já março foi o que obteve o maior índice. Foram 265,8 milímetros acumulados ao longo do mês, um desvio positivo de 30,7%.  

Já abril fechou bem próximo da média, foram 182,6 mm registrados ante 188 milímetros da média histórica, diferença de apenas 3%. Maio, último mês da quadra chuvosa, chegou ao fim com 110,4 milímetros acumulados, o que representa quase 22% acima da normal climatológica.

Essa quadra chuvosa também apresentou uma boa distribuição espacial das chuvas, o que é importante para uma recarga homogênea dos açudes e garantia de boa colheita nas mais diferentes regiões do Estado. Das oito macrorregiões cearenses, somente duas ficaram com chuvas abaixo da média: Sertão Central e Ibiapaba.

Na ponta oposta, estão as macrorregiões do Litoral de Fortaleza e Maciço de Baturité, que acumularam os maiores volumes de chuva nesta quadra. O Litoral de Fortaleza, inclusive, foi a única que ultrapassou a marca dos 1.000 mm pluviométricos acumulados, feito que não aconteceu em 2021 com nenhuma macrorregião.


Maiores volumes 
Duas cidades das macrorregiões do Litoral de Fortaleza e Maciço de Baturité lideram a lista das mais chuvosas em 2022 - adicionando aos índices os números de janeiro (mês da pré-estação). Nos primeiros cinco meses do ano, a Capital cearense liderou o ranking dentre todos os 184 municípios cearenses.

Em 150 dias - 1º de janeiro a 31 de maio – Fortaleza acumulou 1.825,3 mm, o que representa 25,8% acima da média histórica anual, que é de 1.444,6 mm.  

A Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) de Fortaleza destacou que "o período chuvoso mais prolongado em 2022 contribuiu para o aumento no plantio de árvores em Fortaleza, intensificado pela Secretaria desde o começo do ano".

De janeiro a 20 de maio, por exemplo, foram 2.992 árvores semi-adultas plantadas. Apenas do projeto Árvore na Minha Calçada foram 1.904.

"As águas das chuvas também contribuíram para o aumento quantitativo e qualitativo das águas subterrâneas, o que melhora a captação nos poços da nossa cidade, sendo assim uma alternativa para outros usos que não sejam abastecimento humano. Além disso, na região da Sabiaguaba possui uma grande área de reabastecimento de águas, nas suas áreas de dunas", acrescentou a pasta.

A Secretaria da Gestão Regional (Seger) informou à reportagem sobre ações de limpeza de recursos hídricos, desobstrução de bocas de lobo, poda e recolhimento de árvores, além do monitoramento das áreas risco pela Defesa Civil de Fortaleza, para reduzir os riscos à população.

Sobre a pavimentação da cidade, a Seger frisou o investimento de R$ 60 milhões para recuperação das vias públicas. "O pacote está em andamento com a realização de intervenções de recuperação asfáltica, limpeza, sinalização e iluminação pública e tem como objetivo requalificar todas as principais avenidas e ruas da capital".

500 MIL M²
A meta é realizar a recuperação asfáltica de 500 mil m² de vias públicas. Para isso, a gestão municipal quadruplicou o número de equipes, saltando para 15, que trabalham diariamente na execução do serviço. Com investimento de R$ 22 milhões, a operação dará prioridade às 90 principais avenidas da Capital.

Ainda de acordo com a Pasta, a Defesa Civil de Fortaleza não registrou nenhuma família desabrigada ou desalojada devido às chuvas. Em caso de ocorrências, o órgão deve ser acionado, 24 horas por dia, via Ciops, pelo telefone 190.

A cidade de Palmácia, no Maciço de Baturité, foi a que obteve o maior volume de chuva do Estado, com 1.778,4 milímetros, quase a metade do dobro (43,2%) da média histórica anual, de 1.242,2 mm. O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Município, José Ibernon Campos de Andrade, avalia de forma positiva os volumes registrados em Palmácia.

Segundo avalia, a agricultura deve ter um salto de 10% em relação a colheita do ano passado. As culturas em destaque são o milho, feijão, fava e arroz. "Nosso açude, o Germinal, está sangrando e isso nos traz uma boa segurança hídrica", destacou. O reservatório está com 100% de seu volume desde fevereiro deste ano.

O impacto negativo, ainda conforme Ibernon, é reduzido. "Tivemos alguns deslizamentos em áreas de risco, mas ninguém foi afetado. No Centro também aconteceu um deslizamento no Centro. Neste episódio, apenas uma família foi desabrigada e outras duas pediram aluguel social", acrescenta. 

Cinco cidades mais chuvosas:
Fortaleza: 1.825,3 milímetros, 26.4% acima da média anual 
Palmácia: 1.778,4 milímetros, 43.2% acima da média anual 
Eusébio: 1.583 milímetros, 11.9% acima da média anual 
Paraipaba: 1.581,9 milímetros, 33.4% acima da média anual 
Várzea Alegre: 1.573,5 milímetros, 63.6% acima da média anual

Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), e Paraipaba, no Litoral de Pecém, surgem logo atrás, na terceira e quarta posição, respectivamente, com 1.583 mm e 1.581,9 milímetros. O município de Várzea Alegre, único representante da porção Sul do Estado no ranking, fecha a lista com 1.573,5 mm de chuvas acumuladas.

A cidade é, inclusive, a que tem a maior variação positiva. As chuvas registradas nestes 150 dias de 2022 estão quase 64% acima da média histórica anual, que é de 961,6 mm. Índices tão robustos trouxeram prejuízos ao município.

"Projetamos perda de até 80% da lavoura. A agropecuária também foi afetada, já que a alimentação do rebanho ficou inviabilizada em muitas áreas. Tivemos perdas ainda na apicultura e bovinocultura. Os prejuízos foram muitos", detalhou o secretário da Agricultura de Várzea Alegre, Matias Alves. 

Além disso, 70 famílias estão recebendo suporte financeiro da Prefeitura e outras seis tiveram que sair permanentemente de suas casas. Elas foram afetadas com o rompimento, em março, do açude do Sítio Caraíbas, no distrito de Canindezinho. 

Impactos ao Ceará 
O professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleiton da Silva Silveira, destaca que as boas chuvas garantiram "segurança hídrica" ao Estado que "por tantos anos enfrentou severa seca e incertezas quanto ao abastecimento humano".

Cleiton destaca outro ponto importante observado nesta quadra: a regularidade das chuvas. Ao longo de mais de 100 dias, o Estado contou com chuvas em mais de 10 cidades. Além disso, quase todas as regiões receberam bons índices. "Isso garante uma recarga [aos açudes] mais eficiente. Quando as chuvas são localizadas, muitos açudes acabam não sendo contemplados", pontua.

Para o especialista e doutor em Engenharia Civil (Recursos Hídricos) pela UFC, o grande 'trunfo' do Ceará no que se refere à segurança hídrica, foi a política de construção de açudes, iniciada há algumas décadas.

"Nos últimos 40 anos, muitos reservatórios foram construídos e isso foi importante. O Castanhão, por exemplo, tem garantido a segurança de milhões de cearenses. Mesmo com a seca recente, Fortaleza e Região Metropolitana não sentiram grandes impactos. Portanto, quando há boas chuvas, como nos últimos anos, esses reservatórios estratégicos conquistam recarga e nos garante certa segurança", explica.

Procurada pela reportagem do Diário do Nordeste, a Funceme informou que só falará sobre o assunto em coletiva, ainda sem data a acontecer. 

O que esperar no futuro?
Entre 2012 e 2018, o Ceará amargou anos consecutivos de estiagem. Quase todas as regiões, de forma generalizada, tiveram baixos índices. Após este período, as chuvas tiveram substancial aumento, tendo 2019, 2020 e 2022 como os melhores anos. E para o futuro, o que esperar?

Cleiton diz não ser possível afirmar, mas adverte que as mudanças climáticas afetam, diretamente, os eventos extremos. "Para os dois lados, tanto para eventos de muita chuva, como para eventos das grandes secas. Por isso é tão importante frear, o mais urgente possível, as ações que aceleram essas mudanças", conclui.

Fonte: Diário do Nordeste

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