Até poucos anos atrás, havia dúvida sobre o nome de um bairro de Crato: Muriti ou Burity? A definição oficial, Muriti, é derivada da nomenclatura dada ao campo de concentração instalado em Crato, no início do século 19. Em 1932, sertanejos cearenses buscavam amparo em Fortaleza, diante da seca que assolava o Ceará. Na tentativa de manter os ricos da capital distantes dos “flagelados da seca”, o Estado criou sete campos de concentração no Ceará, localizados em Crato, Senador Pompeu, São Mateus, Ipu, Quixeramobim e dois em Fortaleza. O Burity, em Crato, era o maior deles e chegou a aprisionar 60 mil pessoas em janeiro de 1933. “Dali não podiam sair sem autorização dos inspetores do Campo. Ali ficaram ‘encurralados’ milhares de retirantes a morrer de fome e doenças”, retrata a historiadora Klênia Rios. 

A 6ª Promotoria de Justiça do Ministério Público do Ceará, em Crato, analisa a possibilidade de tombar o campo de concentração cratense, localizado às margens da Avenida Padre Cícero, na antiga via que interligava Crato e Juazeiro do Norte. Iniciativa semelhante foi feita em Senador Pompeu. O campo de concentração de Patú, naquela cidade, será tombado este ano, após iniciativa do MPCE, que celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta com a prefeitura local. Com o tombamento, o espaço seria protegido por meio de uma legislação específica. 

“Tomando conhecimento desse fato em Senador Pompeu e, sabendo da existência de equipamento similar em Crato, a Promotoria vai tomar os procedimentos cabíveis, no sentido de fazer o diagnóstico desse equipamento; ver a situação em que ele está; saber se existe, por parte do Município, algo em trâmite a respeito da necessidade desse tombamento; e, se for o caso, utilizar como modelo o que já foi feito em outros municípios, como no caso de Senador Pompeu, para tentar resgatar esse equipamento histórico aqui na cidade”, esclarece o promotor de Justiça Thiago Marques. 

O promotor ainda enfatiza que será feita uma “coleta de primeiras informações” para, depois, ser aberto um procedimento administrativo. “E, com esse procedimento, vamos encaminhar as requisições de informações aos setores competentes aqui no Município, em particular, a Secretaria Municipal de Cultura. A depender da resposta da Secretaria é que vamos ver se é o caso de já marcar uma audiência para assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta ou instruir o procedimento com outras informações”, acrescenta Thiago Marques. 

O secretário de Cultura de Crato, Wilton Dedê, revela já ter sido convocado pelo MPCE para debater o assunto, em audiência agendada para o início de agosto. O gestor ressalta que o modelo de tombamento do campo de Senador Pompeu é físico, enquanto o de Crato seria de memória. “É difícil vermos um tombamento de memória. É um processo meio complicado, mas temos bastante material e a Secretaria de Cultura, juntando memorialistas e pesquisadores, tem, sim, interesse nisso”, afirma Dedê. 

Campos de concentração 
Doutor em História, o professor da Universidade Federal do Ceará, Frederico de Castro Neves esclarece que os campos, em 1932, eram “medidas de assistência e controle dos pobres durante a seca. Pretendia-se que, assim, o Estado poderia evitar as migrações e as epidemias. As migrações, de fato, foram controladas, mas o estado sanitário no interior dos campos acabou provocando mais mortes e doenças”, conta. 

O pesquisador, no entanto, desaconselha o tombamento. “O Campo do Burity não deixou rastros materiais. Melhor do que o tombamento seria uma iniciativa de incentivo à memória, com atividades educativas e produção de registros”. Ele ainda faz questão de alertar sobre um erro histórico, ao serem comparados os campos cearenses com os campos de concentração nazistas, criados um ano após os cearenses, na Alemanha, por Adolf Hitler. “Os campos não eram ‘campos de extermínio’. A comparação com os campos de concentração dos nazistas é indevida e só se presta a um sensacionalismo barato, o que, aliás, tem sido a tônica das reportagens recentes sobre o assunto”, finaliza.  
  (Jornal do Cariri)

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