O
vírus da zika é capaz de causar danos neurológicos não apenas no cérebro em
formação de fetos, mas também no de adultos, aponta um estudo produzido por
pesquisadores brasileiros e publicado nesta quinta-feira (5) no periódico
Nature Communications.
O
vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, foi responsável por cerca de 5
mil casos suspeitos de Síndrome Congênita do Zika no Brasil apenas entre 2015 e
2016, infectando células cerebrais ainda em desenvolvimento no útero materno e
causando microcefalia em bebês. Mas, até há pouco, acreditava-se que os efeitos
da infecção em adultos se limitassem a sintomas mais leves, como febre, dores
musculares, erupção cutânea e dores de cabeça. Embora casos de danos
neurológicos tenham sido identificados, o fenômeno e seus mecanismos foram
pouco estudados.
Agora,
pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) confirmam que o
vírus também consegue infectar – e se multiplicar em – cérebros adultos,
atingindo neurônios mais maduros e provocando, em alguns casos, desde quadros
temporários de confusão mental e dificuldade motora até problemas mais graves,
de coma ou perda de memória.
Os
pesquisadores ainda não sabem precisar qual a incidência desses problemas, ou
seja, quantas pessoas infectadas pelo zika de fato podem ter prejuízos
neurológicos, nem em qual proporção esses prejuízos são ou não permanentes. Por
enquanto, acredita-se que os danos mais graves ocorram em uma minoria dos
casos.
“Na
maioria das vezes, o Zika causa aqueles sintomas leves que se resolvem logo,
como a erupção cutânea”, explica Claudia Pinto Figueiredo, coordenadora do
Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da UFRJ e líder da
pesquisa. “Mas em um número importante de casos – ainda não sabemos quantos, o
que exigiria um estudo epidemiológico – o vírus causa complicações.”
A
pesquisadora aponta que a gravidade do quadro depende, muitas vezes, do estado
de saúde do paciente antes de ele ser infectado pelo Zika.
“Um
paciente saudável, que não tenha fatores de risco de desenvolver doenças
neurológicas ou psiquiátricas, pode não desenvolver nada (nenhuma complicação).
Mas um paciente que tem tendência a demência ou é mais idoso, por exemplo, pode
desenvolver mais problemas. Isso torna muito difícil avaliar o que o vírus (é
capaz de) causar e por quanto tempo.”
A
pesquisa
Os
pesquisadores da UFRJ (Figueiredo e os colegas Sérgio Ferreira e Andreia Da
Poian) já haviam escutado de médicos relatos de pacientes adultos com
complicações neurológicas após a infecção pelo Zika, mas isso ainda não havia
sido colocado à prova em laboratório.
Para
fazê-lo, coletaram tecidos cerebrais humanos de pacientes que se submetiam a
cirurgias neurológicas no hospital da universidade.
Esses
tecidos foram cultivados em laboratório e infectados pelo Zika. “Vimos que o
vírus infectava os neurônios e se replicava, ou seja, produzia novas partículas
virais”, prossegue Figueiredo.
Depois,
os pesquisadores testaram o efeito do vírus em cérebros de camundongos, com
conclusões semelhantes: a infecção causava um processo inflamatório no cérebro
dos roedores e resultava na perda de sinapses – que é o processo em que os
neurônios transmitem impulsos entre si. O Zika, aponta o estudo, se
multiplicava principalmente em áreas relacionadas à memória e ao controle
motor.
Nos
roedores, os efeitos neurológicos atingiam seu pico seis dias após a infecção e
praticamente desapareciam 60 dias depois. No entanto, o efeito em humanos pode
ser mais duradouro, a depender de cada caso.
“A
vida do camundongo é de dois anos, então 60 dias é muito tempo para eles,
proporcionalmente”, diz Figueiredo.
Nova
frente de pesquisa
As
descobertas, afirma Figueiredo, abrem uma “nova frente de trabalho” relacionada
aos estudos do Zika, que continua ativo no Brasil – foram registrados 2.344
prováveis casos de infecção pelo vírus entre janeiro e março deste ano, segundo
o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, datado de abril.
“(O
efeito em adultos) não é o principal problema do Zika, considerando que a
microcefalia em bebês foi algo devastador. E em adultos, não é uma maioria que
vai desenvolver complicações. Mas (o objetivo) é ajudar a traçar novas
políticas de saúde pública para avaliar melhor esses pacientes.”
Mais
informações sobre esses impactos até então pouco conhecidos do Zika, diz ela,
podem ajudar médicos a traçar diagnósticos neurológicos melhores e mais rápidos
em pacientes que saibam que foram infectados pelo vírus, economizando custos de
exames e tomografias.
Além
disso, o estudo da UFRJ identificou que, em alguns casos, um medicamento
anti-inflamatório – de nome genérico infliximab -, hoje usado no tratamento de
artrite reumatoide, pode ajudar no tratamento de pacientes adultos com
complicações neurológicas da zika, embora não em todos os casos.
Um
grave problema futuro na busca para entender melhor os impactos do Zika, opina
Figueiredo, é o anúncio do governo de cortes de 5,6 mil bolsas de pós-graduação
da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Bolsas
do tipo serviram para garantir a conclusão da pesquisa recém-publicada – que
teve financiamento também da Rede de Pesquisa em Zika, Chikungunya e Dengue no
Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa
(Faperj) -, e sua ausência deve inviabilizar pesquisas futuras sobre o vírus.
“Bolsas
são fundamentais para realizarmos pesquisas como esta. Não temos pesquisadores
contratados, mas sim alunos bolsistas de pós-graduação da Capes coordenados por
professores. Sem as bolsas, vai ser impossível fazer ciência”, diz ela. (Fonte:
BBC News Brasil)
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