De
janeiro a outubro deste ano, 185 adolescente com idade entre 10 e 19 anos foram
assassinados de forma violenta no Ceará, conforme os registros diários de
Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) da Secretaria da Segurança Pública
e Defesa Social (SSPDS). Esta faixa etária é a considerada pelo Comitê Cearense
pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), que utiliza as
informações da Pasta para realizar o levantamento das mortes. A média mensal é
de 18 adolescentes mortos no Estado.
Procurada
pelo G1 Ceará, a SSPDS, que, diferente da CCPHA, considera o intervalo de
jovens assassinados entre 12 e 17 anos, informou 127 mortes no mesmo espaço de
tempo. O número representa uma redução de 64,6% nas mortes dessa população,
quando comparado aos 359 casos registrados mesmo período do ano passado.
Independente
do intervalo de idades, os dados revelam queda importante em relação aos 829
homicídios de jovens ocorridos em todo o ano de 2018 - média de 69 por mês -, e
fica ainda mais distante dos 981 assassinatos da mesma faixa etária, em 2017 -
com média de 81 por mês. O CCPHA também levantou que, de 2011 a 2018, 7.251
meninos e meninas com menos de 20 anos foram assassinados no Estado.
Série
histórica de homicídios de adolescentes no Ceará
2014
- 1005
2015
- 817
2016
- 655
2017
- 981
2018
- 829
2019
- 185*
*Janeiro
a outubro, com dados da CCPHA/SSPDS
Segundo
o sociólogo Thiago de Holanda, coordenador técnico do Comitê, a redução pode
estar relacionada à resposta do Estado à atuação de grupos criminosos em
território cearense. Policiamento mais ostensivo e a reorganização do sistema
penitenciário, aponta ele, foram fatores importantes para mudanças na dinâmica
do crime no Ceará.
“O
que a gente não consegue avaliar é qual vai ser o efeito disso depois, se isso
se sustenta. Desde 2014, a gente foi tendo uma queda. Em 2016, quando volta a
matança, ela atinge sobretudo a juventude mais vulnerável: são jovens que estão
fora da escola, ou tiveram passagem pelo socioeducativo, ou tiveram poucas
oportunidades de trabalho”, explica Holanda.
Cenário
imprevisível
Fortaleza
é a cidade com maior número de ocorrências, conforme o Comitê. A Capital é
seguida por outros municípios da Região Metropolitana: Caucaia, Maracanaú,
Maranguape, Horizonte, Aquiraz e Pacajus. Também estão na lista Sobral e
Itarema, ambas na Região Norte do Ceará, e Juazeiro do Norte, no Cariri.
A
advogada Julianne Melo, vice-presidente da Comissão Especial de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente, da OAB-CE pontua que, “apesar da redução,
ainda não se pode dizer que ela é consistente”, lembrando ainda que “os
vulneráveis a ameaças e à morte precisam de uma série de investimentos,
notadamente orçamentários” em políticas públicas de acesso à educação, saúde e
lazer.
O
CCPHA elaborou um documento com 12 recomendações para levar à redução das
vulnerabilidades na população mais afetada pelos homicídios. As principais se
referem à ampliação da rede de programas e projetos sociais; à qualificação
urbana dos territórios vulneráveis; à mediação de conflitos e proteção a
ameaçados e a oportunidades de trabalho com renda.
Tais
lacunas afetam principalmente a juventude periférica, de acordo com Dudu Souza,
integrante do coletivo VetinFlix. “Acham que a juventude entra na criminalidade
porque quer. A maioria, quando cai, é por falta de opção, de estrutura. A
juventude periférica é esquecida”, considera ele, que ajuda a produzir a série
“La casa du’z vetin” para a internet.
‘Geração
N’
“A
criminalidade tem tudo a ver com a desigualdade. Se a criança tiver
oportunidade, ela não vai entrar no crime. A solução para violência não é a
bala, é a oportunidade. Queremos passar para juventude que eu sou
"vetin", falando como "vetin", tô tendo oportunidade de
expressar minha arte e nem por isso vou virar bandido. A série parece ser
pesada, mas a nossa realidade é pesada”, descreve Dudu.
A
socióloga e coordenadora do Laboratório das Artes e das Juventudes (Lajus) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Glória Diógenes, investigou a trajetória
de 150 jovens do Grande Bom Jardim, em Fortaleza, geralmente classificados como
“nem-nem-nem”: não estudam, trabalham ou demonstram interesse em retomar a
escola ou buscar uma ocupação. No entanto, o contato levou a outra constatação.
“Se
a gente pergunta se eles estão trabalhando, eles dizem que não. Mas se pergunta
se eles têm algum ‘trampo’, eles dizem que sim”, resume. Os jovens atuam em
feiras, lavagem de roupas e carros, venda de cosméticos e marmitas, costura,
cuidados de idosos e serviços gerais. “A primeira coisa é rediscutir o estigma
que paira sobre esses jovens, que chamamos de ‘geração N’, em vez de
‘nem-nem-nem’, porque eles dizem ‘não’ ao ‘não’ que é imposto a eles”, reflete
Glória.
A
SSPDS informou, por nota, que além de ações de Segurança Pública, o programa
Pacto por um Ceará Pacífico tem operado em melhorias e construção de praças
públicas, escolas e postos de saúde e na instalação de bases fixas do Programa
de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger), da Polícia Militar.
Quanto ao fortalecimento do espaço escolar como fator de prevenção à violência,
informa que o Estado prioriza a expansão das Escolas de Educação Profissional e
de Tempo Integral.
(G1 CE)
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