![]() |
| Mesmo debaixo de chuva, mais de 40 grupos participaram do primeiro cortejo. FOTO: Antonio Rodrigues |
Juazeiro
do Norte.
Cola, pó de serra, punho de rede, isopor e seis camadas de papel madeira para
dar resistência. Depois são colocados os chifres de boi, pintado de preto e uma
camada de verniz para dar brilho. Assim é feita a cabeça de boi, que depois
receberá todo corpo de tecido, dando forma a um dos personagens do reisado. O
projeto Ciclo de Reis teve início nessa sexta-feira (22), mesmo debaixo de
chuva, colorindo a Rua São Pedro, em cortejo até a Praça Padre Cícero. Mais de
40 grupos da tradição popular participaram.
Com
a presença de, pelo menos, 800 brincantes e artistas populares, de diversas
manifestações, como reisados, bandas cabaçais, lapinhas, cocos e mamulengos, o
cortejo foi apenas o começo da festa, que irá durar até o dia 6 de janeiro,
quando se comemora o Dia de Reis. A partir de segunda-feira (25), diariamente,
duas terreiradas simultâneas animarão 11 bairros.
Mestres
da Cultura
As
ruas são fechadas e os mestres da cultura popular abrem suas portas para a
população conhecer seu trabalho. "Como um grande arraiá, uma grande
festa", explica a coordenadora do Núcleo de Arte e Educação Marcos
Jussier, Maria Gomide. Ela garante que este foi o maior cortejo da história de
Juazeiro do Norte, pois reuniu, praticamente, todos os grupos de cultura
popular do Município.
No
começo do ano, foram feitas reuniões com os grupos para mobilizar. A Secretaria
Municipal de Cultura se encontrou com os mestres e atendeu uma das suas
principais solicitações, a qualificação e capacitação dos brincantes. No
primeiro momento, a partir de junho, aconteceram as formações, em seguida,
oficinas de música, dança, confecção de bonecos e indumentárias para os
personagens.
A
Secretaria de Cultura vem mobilizando e, não só atendendo as necessidades, mas
despertando dentro dos grupos a necessidade que melhorem a qualidade sonora,
visual e que elementos sejam resgatados e recriados e "se fortaleçam para
que possam reviver com mais força", destaca Maria Gomide. Mais de 100
novos personagens estarão nos terreiros.
Qualidade
"O
projeto exige alguns critérios de qualidade para que os grupos participem. Tem
um número mínimo de cinco personagens, que estejam cantando afinado,
instrumentos em harmonia. Isso traz uma necessidade para que os grupos se
organizem para atender esses critérios e poder estar mais qualificados para se
apresentar", completa.
A
articulação foi feita espontaneamente, já que Maria Gomide, integrante do grupo
Carroça de Mamulengos, tem contato com estes grupos populares desde que nasceu.
"A articulação está sendo feita por dentro. Muitas reuniões foram feitas
diretamente com os mestres. Tenho um conhecimento profundo destes grupos.
Então, essa mobilização é feita por toda minha vida", destaca a artista.
O
projeto do Ciclo de Reis acaba se tornando um festival que pode entrar dentro
do calendário da cultura de Juazeiro do Norte. Ao todo, R$ 172 mil foram
investidos. A ONG Zaila Lavor está à frente do trabalho. Ela faz as
articulações nas comunidades e a formação artística com crianças e adultos,
valorizando as tradições populares. A própria Companhia Carroça de Mamulengos é
outra parceira, coordenando o Centro de Artes do Cariri e auxiliando nas
oficinas.
A
primeira terreirada será na Praça Padre Cícero, nesta segunda-feira (25), dia
que celebra o Natal. O grupo da Mestre Margarida estreia com o personagem do
guerreiro, remontado para comemorar a abertura do Ciclo de Reis, contando
também com uma homenagem a todos os mestres da cultura. A Banda Municipal será
outra atração, pois vem ensaiando peças de reisado.
"Juazeiro
é uma cidade-símbolo para a cultura popular de todo Brasil. Os grupos de
tradição existem e simbolizam o valor do Município. O projeto mostra isso.
Também é uma oportunidade de destacar que Juazeiro celebra o Natal de um jeito
único e original", conclui Maria Gomide. Em 6 de janeiro, Dia de Reis, um
novo cortejo de encerramento será realizado. O reisado se tornou uma
brincadeira popular em Juazeiro do Norte, principalmente na periferia.
O
bairro João Cabral, por exemplo, tem mais de dez grupos de tradição na lapinha,
coco, maneiro pau, reisado de Congo e de couro, e bacamarte. São danças e
brincadeiras que passam de pai para filho, de avô para neto, de amigo para
amigo e se renovam dentro das comunidades. O Reisado Renascer é um deles, que
tem como mestre o estudante Eduardo Santana, de apenas 15 anos.
Ele começou a
brincadeira aos 5, na União dos Artistas da Mãe de Deus, como príncipe. Hoje,
organiza e reúne 18 crianças e jovens, de até 15 anos, no seu próprio grupo
popular. "Minha paixão pelo reisado não sei nem como explicar. É uma
herança. Meu avô também brincava", conta o menino.
Com
as mãos sujas de cola e de tinta, depois de pintar as máscaras para o Ciclo de
Reis, Eduardo afirma que não há rivalidade entre os grupos e que está ansioso
para apresentar sua terreirada, que acontecerá no dia 1º de janeiro.
"Estamos esperando que dê muita gente para olhar nossa brincadeira",
projeta o pequeno artista.
Enquanto
Cícero Bacurau, 26, explica que as terreiradas foram uma grande conquista para
os brincantes, pois agora os grupos têm recurso para produzir suas roupas,
máscaras, instrumentos e acessórios. "Antes, não tinha nada para a gente.
Cada um arcava, tirava do bolso. Agora tá melhorando para todo mundo. Todos de
folclore. Antes não, era difícil", lembra o integrante do Reisado dos
Irmãos.
Já
para José Nilton, do Bacamarteiros da Paz do Mestre Nena, o Ciclo de Reis foi
uma oportunidade de resgatar os entes do reisado que não estavam sendo
utilizados, como o Goiabá, Mamãe Véu, Bojo, Araguá, Seu Anastácio, a Doida, o
Doido e os cangaceiros.
Esses
personagens, durante a brincadeira, são "puxados" pelos mestres,
quando começam a cantar. "Pode-se dizer que estavam esquecidos. Hoje, pela
primeira vez, estão sendo resgatados na história de Juazeiro do Norte. Estão
tendo esse incentivo", garante o brincante.
O
Metre Raimundo Ferreira, 61, do grupo Discípulos do Mestre Pedro, o popular
Reisado dos Irmãos, acredita que as brincadeiras passam por algumas mudanças
para dar um impacto, mas a tradição continua sendo a mesma. "Já vem do
sangue. A gente vem dando continuidade dos meus pais, dos meus tios. Mas, 2018
vai ser o ano do folclore, o ano da cultura. Deverá ser lindo. Eu acho que vai
ficar na história", deseja o artista.
Fique
por dentro
A
origem do costume é europeia
O
costume de festejar o Dia de Reis é de origem europeia, mas foi trazido para o
Nordeste pelos africanos, que homenageiam seus santos de devoção. O surgimento
dos folguedos está diretamente ligado às cerimônias realizadas nas irmandades
religiosas do Rei Congo, como meio de reterritorialização das formas ancestrais
da organização social e ritual africana.
No
Ceará, a origem da dança está registrada no Século XVII, celebrada no dia 27 de
dezembro pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, recebendo a
denominação de Reisado. Se tratava da coroação de um Rei Cariongo e de uma
Rainha, em cortejo festivo, apresentação de "cantigas" e entremezes.
Já
no Cariri, os reisados se espalharam na região pela marcante presença negra nos
trabalhos de engenho de cana-de-açúcar no século XIX e nos romeiros vindo de
Alagoas, Estado com forte presença da dança.
Enquete
Como
avalia essa tradição?
"É
a história da gente mesmo. Não só da Cidade, mas da gente. Um povo sem cultura
é um povo sem alma. Estamos recuperando o que estava esquecido há 30 anos aqui
em Juazeiro do Norte"
José Nilton.
Bacamarteiros da Paz
"Para
nós, que brincamos, é muito importante levar para a comunidade. Eles amam a
brincadeira. Todos sabem que tem essa coisa das raízes, que ninguém esqueceu e
que não se deixa mais cair"


Postar um comentário