Após implante, metalúrgico deve passar por fisioterapia e cirurgias menores. FOTO: MATEUS DANTAS |
A
casa do metalúrgico e da costureira, na comunidade Jabuti (entre Fortaleza e
Eusébio, Região Metropolitana), ainda está por terminar. Francisco Nogueira
Maia Júnior, 37 anos, olha as paredes de tijolo comum com vontade de voltar a
trabalhar na construção civil. Escorada em um canto desse olhar saudoso,
Antônia Magna Barros Correia, 36 anos, preenche a esperança do companheiro com
afirmações de que vai dar tudo certo, se Deus quiser, o pior já passou.
O
pior foi no dia 23 de janeiro deste ano, por volta das sete e meia da manhã.
Júnior, como é conhecido, iniciava o expediente na máquina de dobrar ferro e,
“na primeira peça”, ele conta, “a mão ficou presa entre a máquina e a peça”.
Sentiu mais raiva, “pelo descuido”, que dor. O tempo se embaralhou em susto, sonho,
pesadelo: “Aquele segundozinho foi o susto. Depois, mais um segundo, um sonho,
um pesadelo. Quando olhei ao redor, estavam meus colegas de trabalho. Não, não
foi um sonho. Aí, olhei pra mão”. Restava o polegar; os outros quatro dedos da
mão esquerda ficaram na máquina, com parte da luva e do pó de ferro.
Levado
pelo técnico de segurança do trabalho da empresa, Júnior recebeu os primeiros
socorros no Instituto Doutor José Frota (IJF), hospital público que atende a
casos de alta complexidade. “Estava chovendo, trânsito fechado. Não lembro a
hora que chegamos. Foi de oito e meia pra nove horas”, atravessava o tempo; a
mão enfaixada com gaze e os dedos, na luva, transportados em um saco com água e
gelo.
A
triagem foi rápida, feito a vida que “passava na mente”. Depois, o assombro da
moça do raio-X quando desenrolou a gaze. O pensamento do que não poderia mais
fazer. A sala de curativos e gente de todo jeito. “Entrei, e o cara (médico)
disse: ‘É uma pequena cirurgia’”, reproduz Júnior. Só pontear para fechar a
lesão e ir para casa, o médico teria simplificado. O técnico de segurança lhe
mostrou os dedos amputados, reconstitui Júnior, mas o médico teria reafirmado:
“Não, pode jogar fora, no lixo”.
O
técnico colocou o saco com os dedos do metalúrgico no lixo de curativos velhos.
Mas foi cuidadoso, observou Júnior, “com jeitinho, pra não derramar a água”, e
saiu para telefonar. Enquanto esperava a vez de costurar a mão desfigurada,
Júnior se acocorou sem dor, palavra ou pensamento. Sempre carregou, nos ombros,
a conformação de uma vida sem recursos. O que lhe dissessem era remédio. “Nesse
momento, parece que tem uma anestesia que a pessoa não chega a pensar em nada,
quer é se livrar daquilo”, dilui o sentimento.
Mas
a história não tem o final comum na sala de curativos do IJF. Quando o técnico
de segurança do trabalho voltou, trouxe a pergunta de tentarem o reimplante em
outro lugar. A empresa pagaria. Custaria de R$ 50 mil a R$ 100 mil, só existia
um médico antigo que fazia, doutor Salustiano, não se sabe dele, contrapôs o
plantonista. Assinaram o termo de saída, retiraram os dedos do lixo e começaram
uma busca na internet, pelo celular. Era também o começo da tarde.
Contra
o tempo, chegaram à equipe dos cirurgiões de mão João Mamede e Valberto Porto e
do cirurgião plástico Breno Pessoa – filho do cirurgião plástico Salustiano
Pessoa, um dos primeiros a fazer reimplantes, no Ceará, na década de 1980. Uma
nova avaliação da mão e dos dedos devolveu a esperança a Júnior, restaura
Magna: “O médico olhou e disse: ‘Vou tentar tudo. Já vi situações piores e
consegui’”.
O
reimplante múltiplo foi realizado no Hospital São Carlos em cerca de 15 horas,
do meio da tarde ao amanhecer seguinte. Foi pago pela empresa, informa o
metalúrgico: R$ 10 mil, por dedo, mais, pelo menos, R$ 16 mil (custos
hospitalares para cada oito horas de cirurgia).
Júnior
ficou nove dias internado e, na semana desta entrevista, esperava a liberação
para a fisioterapia. Cirurgias menores são previstas e a recuperação deve se
prolongar por até um ano. Os médicos avaliam o reimplante múltiplo bem-sucedido
e o destacam como o primeiro do tipo no Estado. O paciente poderá voltar ao
mercado de trabalho, salvam.
O
metalúrgico considera que não terá a força de antes na mão esquerda. A rotina –
dele mesmo fazer o café, botar o lixo fora, preparar o churrasquinho para ter
uma renda extra – também mudou. Talvez ele próprio não possa terminar a casa,
como era de gosto. Mas, ao recuperarem os dedos do lixo e as possibilidades da
mão, também salvaram, para Júnior, outras chances, pensamentos e sentimentos.
“Nunca tive tempo de estudar, depois que constituí família. Agora, tô vendo
isso”, ele inclui nos dias seguintes. (O Povo)
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