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Na Escola Clóvis Beviláqua, no Centro, o índice de abandono já chegou a ser de 20% em 2016. Nos últimos anos, a taxa vem sendo reduzida e está em 12%. FOTO: JOSÉ LEOMAR |
Manter-se
assíduo não é fácil, assim como também não é simples a sua realidade. Conflitos
familiares, necessidade de trabalhar, problemas emocionais, falta de sentido no
modelo escolar... Fatores combinados que se agigantam na trajetória do jovem
estudante.
No
Ceará, a taxa de abandono na rede estadual em 2018 foi de 5,1%. Em um universo
de 329.408 matrículas no Ensino Médio, cerca de 16 mil alunos abandonaram a
escola no ano passado. Os números não traduzidos pela matemática ilustram os
problemas que ultrapassam a juventude e se refletem por toda a vida.
Fatores
Em
2015, Wagner reprovou. Em 2017, parou de estudar. A perda da avó desorganizou
os planos e os sentimentos. "Foi quando eu perdi minha avó. Foi quando a
famosa depressão entrou na minha vida. Eu descobri que eu tinha. Eu me mutilava
muito. Foi o pior ano da minha vida e foi quando eu meio que comecei a sair da
escola. Justamente naquele ano, parei de estudar e perdi meu emprego",
relata.
Em
2018, Wagner mudou para a Escola Clóvis Beviláqua, no Centro de Fortaleza. Na
instituição, que tem Ensino Fundamental (8º e 9º ano) e Médio (1º, 2º e 3º), há
480 alunos. O índice de abandono é alto. Em 2016, chegou a 20%. Desde de 2017,
se mantém em 12%. A situação se repete em outras instituições da rede estadual.
Tanto o cenário de infrequência, como, felizmente, a melhora dos índices. De
modo geral, o Ceará tem baixos percentuais de infrequência, se comparado aos
demais estados, segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc). No Brasil, a
taxa de abandono foi de 6,1% no ano passado. No Ceará, saiu de 16,4% em 2007
para 5,1% em 2018.
Para
Wagner, a permanência na escola é caminho dificultoso, mas, ausentar-se dela é
ainda mais prejudicial. O acúmulo de faltas, garante ele, não é injustificado.
"Se a pessoa tá faltando muito, logo tem um problema na vida dela. Ela não
falta porque em si ela quer. Ela pode estar sofrendo bullying, essas
coisas". O jovem que diz "amar inglês e gostar de português e
geografia" encarna um conjunto de adversidades há anos, identificadas por
estudiosos do histórico problema do abandono escolar no País.
"Tem
uns 2 ou 3 alunos que faltam quase todos os dias na minha sala", relata Lucas
Bonfim, 14 anos, estudante do 9º ano da mesma escola. "A gente tem um
grupo da sala, aí vai nesse grupo ou no privado e pergunta por que a pessoa
faltou e ela fala o motivo. Um amigo nosso faltou uma semana porque ele não
tinha o dinheiro da passagem", acrescenta. Trabalho, desestrutura
familiar, ausência de renda, reprovação, falta de identificação com a escola e,
no caso das mulheres, a gravidez precoce, são fatores preponderantes para a
permanência desse gargalo.
Rede
Municipal
Na
rede municipal de Fortaleza, os índices são ainda menos elevados. Em 2018, a
taxa de abandono foi de 0,6%. Isto não tira a gravidade do problema, muito
menos reduz seus efeitos. Conforme o secretário adjunto da Secretaria Municipal
de Educação (SME), Jefferson Maia, quando se trata do processo pedagógico, cada
número é uma trajetória que tem sua relevância.
Nas
escolas municipais da Capital, relata ele, até o 5º ano, "praticamente o
abandono não existe". Mas, nas séries mais avançadas, as dimensões que
provocam esse problema no Ensino Médio se repetem.
O
não comparecimento à escola é "fenômeno antigo e não superado",
reforça a especialista em Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) para o Semiárido, Verônica Bezerra.
"É
preciso pensar no atraso escolar que, de modo geral, implica numa dificuldade
que os jovens têm. E que escola é essa? Muitas vezes, há uma desmotivação em
relação ao que é ensinado. Eles alegam uma desconexão entre o que é ensinado e
a sua própria realidade".
O
abandono, a evasão, o fracasso escolar, ressalta Verônica, precisam ser
tratados de modo intersetorial por um conjunto de políticas que tem força de
ajudar a escola a ser o ambiente mais protetivo. A gestão escolar é central
para o enfrentamento dessa realidade, reforça ela.
No
Ceará, felizmente, agentes da sociedade civil, gestores e professores têm
atuado para mudar essa realidade. Ações diversas estão em curso e demandam
continuidade sistemática. Das 654 escolas com Ensino Médio, em 2018, 114
apresentaram taxa zero de abandono. Evidências de que os bons modelos são reais
e precisam se estender. (Diário do
Nordeste)
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