FOTOS: Antonio Rodrigues
Com papel importante para a integração e o progresso do Cariri, a Estação Ferroviária de Aurora, a primeira do Sul do Estado, completa 100 anos nesta segunda-feira (7). O plano inicial, ainda no Império, era que a estrada de ferro, que terminou em Crato, chegasse até Petrolina, Pernambuco, e de lá fosse integrado no sistema hidroviário pelo Rio São Francisco. 

Para celebrar a data, aconteceu, também nesta segunda-feira, o lançamento de um livro: "Estação D’Aurora: uma saudade que não passa". A publicação foi organizada pelo professor e secretário de Cultura de Aurora, José Cícero Silva, que reuniu 30 articulistas. O livro é composto por uma série de textos que narram as histórias de pessoas que presenciaram de perto a Estação Ferroviária e seu desenvolvimento. 

“Muito desta memória ia se perder. Foi uma forma de recuperá-la e de perpetuar”, garante. 

“Trata-se, portanto, de um extenso leque de textos, dos mais variados e interessantes matizes, narrando, em primeira mão, fatos marcantes e inéditos sobre o trem e a estação de Aurora. Como forma de assinalar a passagem dos 100 anos de história deste monumento ferroviário”, detalha o organizador do livro. A publicação será distribuída em escolas do Município e entregue aos moradores da cidade. 



Centenário 
A estação marca, também, a morte de um dos principais coronéis do Cariri, o jovem Isaías Arruda, natural de Aurora, mas que cresceu politicamente em Missão Velha, onde foi prefeito. Foi lá que, aos 28 anos, no dia 4 de agosto de 1928, sofreu uma emboscada a tiros por um grupo rival - os “Paulinos”. Isaías foi o principal aliado de Lampião e seus capangas na região, chegando a hospedá-lo em sua fazenda e fornecer armas e munição aos cangaceiros. 

Para Cícero, o centenário da estação vai além do simbolismo da data. “É uma forma de compreender o quão importante foi a estação, o trem, a malha viária chegando a Aurora. O primeiro propulsor da economia, do nosso progresso”, define.

O empresário e poeta José Wilson Fernandes, filho de Aldenor Fernandes, escriturário da estação, conta como o local foi importante na sua vida e nutre um valor afetivo a ele. “Todas as correspondências meu pai era responsável por receber e remeter. Eu, ainda menino, o acompanhava. Morava perto. Ali era uma referência. A passagem do trem era um divertimento.  Os momentos, a chegada e partida, era de encontros. Ali surgiram namoros, casamentos”, acredita. 

O prédio da estação de Aurora foi, na última semana, revitalizado. A fachada foi pintada e alguns pequenos danos no piso e parede recuperados. Desde 2009, ele abriga a biblioteca pública da cidade, que possui aproximadamente 10 mil títulos. O prédio em anexo recebe a Escola de Música Esmerindo Cabrinha, que oferece aulas para cerca de 30 crianças. A pedra da estação, local de embarque dos passageiros, também recebe um festival anual de teatro, que acontece na segunda quinzena de maio. 

História do trem no Cariri 
Em 1882, era discutido na Câmara se a estrada de ferro continuaria de Baturité até o Cariri ou se iria de Aracati até Icó e depois ligar ao Sul do Estado. Muitos deputados se dividiram, mas a primeira opção venceu. 

Alguns deputados diziam que a vinda da ferrovia era uma forma de “amarrar” a região ao Ceará, já que esta foi, até o final do século XVIII, parte do Pernambuco. A historiadora e professora da Universidade Regional do Cariri (Urca), Isabel Cortez, acredita que era uma motivação econômica fruto das disputas das províncias. Por exemplo, muito da produção local era transportada Rio Grande do Norte. 

“Não é simplesmente amarrar o Cariri, mas que essa produção fosse garantida para o Ceará”, coloca. 

A historiadora acrescenta, também, que a estrada de ferro, trazida para o Cariri, fazia parte de um projeto de integração nacional pelo Império, que tinha medo que as províncias se tornassem independentes. Na época, havia uma centralização maior do país e a ideia era levar a estrada de ferro até o Pernambuco e, de lá, integrar com as ferrovias da Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 

Linha estratégica 
Mas, nos discursos políticos, reforçados em jornais, a estrada de ferro aparece relacionada à questão econômica: ela tinha que ligar uma zona de produção agrícola a um porto. Então, começa um discurso do Ceará apresentando como um espaço de produção, chamando atenção para as “ilhas verdes” como o Baturité e o Cariri. No Sul do estado, evidenciada pela produção de cana-de-açúcar. 

Este discurso permanece até a seca de 1877, que acaba levando muitos retirantes para Fortaleza a reclamar seus direitos e pedir ajuda à Província. Antes agrícola, agora a justificativa para estrada de ferro é filantrópica, servindo de socorro aos retirantes da seca. Depois, estes trabalhadores fizeram parte da frente de trabalho para a construção da estrada de ferro. No entanto, na década de chegada à região, não houve nenhum destes fenômenos naturais de grande impacto ao Cariri.

A Estação Ferroviária de Aurora foi inaugurada em 7 de setembro de 1920, quando as estradas de ferro já não possuem o mesmo investimento no Brasil. Apenas em 8 de novembro de 1926, seis anos depois, é inaugurada a estação de Crato e, no dia seguinte, a de Juazeiro do Norte. Enquanto isso, em todo o país, o Washington Luiz passa a aplicar recursos em estradas de rodagem. 

“É muito famoso o trem da feira. Ele funciona muito trazendo toda essa produção para as feiras. A feira do Crato é mais famosa. Ela tomava muitas ruas da cidade. Ela não só leva muita coisa daqui, o algodão era maior que a cana-de-açúcar e a rapadura, mas essa produção de horticultura e diversas frutas vai ser muito incentivada pelo trem. Mas ela não sustenta o funcionamento", explica Isabel. 

Padre Cícero 
Curiosamente, a princípio, Juazeiro do Norte não teria estação. No planejamento de 1912, a cidade escolhida era Barbalha, que tinha forte produção de cana-de-açúcar. 

Apesar disso, o Padre Cícero vai para Fortaleza e consegue, através do seu prestígio político, trazer o equipamento para seu Município. A terra de Santo Antônio fica de fora, mas em 1940 consegue um ramal. Mesmo assim, o transporte funciona por pouco tempo, pois, segundo os moradores barbalhenses, um acidente com o trem matou uma família inteira e traumatizou a cidade, finalizando o trajeto. 

Com a ferrovia em declínio, o transporte de passageiros foi encerrado na década de 1980 e de cargas, até o final da década de 1990. Madeira, gasolina e carvão são trazidos para o Cariri, enquanto a região ainda distribui muita cerâmica e gesso, produzidos no Crato e nas cidades vizinhas Pernambuco, respectivamente. 

“O Crato não sofreu muito com o fim, porque vai ter uma ligação por várias rodovias que ainda garantem uma movimentação de pessoas e dessa economia”, aponta a historiadora.

(Fonte: Diário do Nordeste)

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