Homem perdeu a paciência quando o atendimento foi suspenso, após mais de seis horas esperando na fila. Imagem de apoio ilustrativo. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Um ato de solidariedade surpreendeu um trabalhador após ele ter sido preso por dano ao patrimônio a uma agência da Caixa Econômica Federal; entenda a história.

Com fome, sem dinheiro e longe de casa. Era essa a situação do servente de pedreiro Sebastião de Almeida, 36, no último dia 21 de junho.

Nessa data, ele estava em uma agência da Caixa Econômica Federal, em Caucaia, onde aguardava na fila para sacar uma quantia remanescente do antigo Auxílio Emergencial.

O trabalhador não imaginava, no entanto, que um imprevisto mudaria o curso do que ele havia planejado para aquele dia.

Sebastião mora em Apuiarés, na Região Metropolitana de Fortaleza, a cerca de 120 quilômetros do local da agência onde buscou atendimento.

Ele chegou ao banco por volta das 5 horas da manhã, muito antes do horário de abertura do estabelecimento, às 10 horas.

Apesar da antecipação, teve de enfrentar uma longa fila que já havia se formado do lado de fora do banco.

Ao trabalhador, não restava outra alternativa do que esperar. É que naquele dia, ele tinha saído de casa apenas com o dinheiro da passagem de ida.

Desempregado, o homem contava com o recurso extra de R$ 320 do benefício social para pagar o deslocamento de volta.

Mas depois de aguardar cerca de seis horas na fila, ele recebeu a pior notícia possível.

A gerência do banco informou que a agência seria fechada emergencialmente para a realização de um procedimento de desinfecção.

A justificativa apresentada pelos funcionários foi que uma pensionista passou mal enquanto aguardava atendimento e recebeu diagnóstico positivo para Covid-19 no próprio local.

A previsão era que o banco abrisse as portas novamente apenas no dia seguinte.

Tomado por um misto de sentimentos, como angústia, desespero e raiva, Sebastião se deixou levar pelo impulso e manifestou sua insatisfação desferindo um chute na parte inferior da porta giratória da agência.

O ato não calculado custou sua liberdade. Da agência, ele foi levado direto para a Delegacia de Polícia Federal (PF), na Capital cearense.

O trabalhador foi preso por dano ao patrimônio público, mas liberado no dia seguinte após audiência de custódia.

Naquela noite de 21 de junho, Sebastião dormiu sob o teto de uma unidade penitenciária, coisa que jamais havia passado por sua cabeça.

Se ele não estivesse custodiado, no entanto, a situação também não seria das melhores. Isso porque, sem o saque do benefício, dificilmente o homem conseguiria regressar à sua cidade.

“Eu fui (a Caucaia) confiando que ia dar certo (sacar o benefício) e com o dinheiro, pagaria a passagem de volta", explicou Sebastião.

“Na hora que falaram (que não teria mais atendimento) eu fiquei meio atordoado, sem chão. Já estava cansado de esperar e com fome, bateu um desespero porque não tinha como voltar para casa”, acrescentou.

“Nada justifica o que eu fiz, mas fiquei sem saber como agir naquela situação, foi tipo um desabafo”, disse, sobre ter chutado a porta.

“Sei que cometi um erro, por isso fiquei lá o tempo todo para assumir responsabilidade”, complementou o trabalhador.

Assistência jurídica da Defensoria Pública da União
Por não ter condições de contratar um advogado, Sebastião recebeu assistência jurídica de um defensor público da União.

Além da defesa jurídica exitosa feita durante a audiência — que resultou na concessão imediata do alvará de soltura ao trabalhador — o defensor teve uma iniciativa que foge da praxe ritualística nas salas de inquisição.

Ao fim da audiência, o agente público resolveu doar a quantia necessária para Sebastião voltar à sua cidade e se alimentar ao sair da cadeia.

“Eu fiquei surpreso, porque hoje em dia a gente não vê mais esse tipo de coisa acontecer”, relatou o trabalhador.

“Acho que ele entendeu minha situação. Creio que ele se colocou um pouco no meu lugar. Não precisou nem eu pedir nada, até porque sou meio tímido para pedir ajuda”.

Após o gesto de solidariedade, o homem se reencontrou com a liberdade cerca de 24 horas depois de ter sido preso.

Contudo, no horário que saiu da penitenciária, por volta das 19 horas, não havia mais transporte alternativo com destino a Apuiarés saindo de Fortaleza.

Ele, então, procurou abrigo no Terminal Antônio Bezerra, onde um amigo trabalha como segurança.

Ficou no local até a manhã do dia seguinte, quando finalmente conseguiu retornar para casa. Poucas horas após o regresso, Sebastião teve mais uma surpresa.

“A assistente dele (defensor) me ligou perguntando se eu tinha chegado em paz, se estava tudo bem comigo. Achei isso uma coisa de gente que tem grande coração”, afirmou.

O defensor, que não quis ser identificado, prefere classificar a generosidade como uma “simples contribuição”.

“Não foi nada demais, apenas dei uma pequena ajuda porque o rapaz não tinha meios de voltar para casa”, disse ele em entrevista ao O Povo.

“Ele (Sebastião) narrou na audiência que um dos motivos de ter ficado mais desesperado foi o fato de ter se deslocado só com o dinheiro da passagem de ida. Então, quando ele fosse liberado, iria dormir na rua? Seria mais sofrimento ainda. Ele disse que ia tentar se virar, mas como?”, acrescentou.

A atitude do defensor, que foge aos protocolos formais do Judiciário, foi elogiada pelo juiz no encerramento da audiência de custódia.

Danilo Fontenelle Sampaio ressaltou que o membro da Defensoria desempenhou papel “sensível e humanitário” ao ter disponibilizado recursos próprios para viabilizar o retorno do trabalhador à sua cidade natal.

Para Sebastião, o dinheiro não trouxe apenas o que ele precisava para pagar a passagem, mas também um grande ensinamento.

“Ajudar o próximo é a coisa mais importante que um ser humano pode fazer. Se isso acontecesse mais vezes, eu creio que o mundo seria outro”, refletiu.

Fonte: O Povo

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