A dificuldade histórica do Ceará de garantir um aprendizado de matemática adequado entre os estudantes da rede pública foi atestada, mais uma vez, em 2023 — 58,6% deles concluíram o Ensino Fundamental (EF) com desempenho “crítico” ou “muito crítico” na disciplina.
Os dados são do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) 2023, divulgados nesta segunda-feira (27 de maio de 2024) pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc).
Por meio de provas, o Spaece mede o nível de proficiência dos alunos das redes municipal e estadual em duas disciplinas básicas, Língua Portuguesa e Matemática, sendo esta última um gargalo nos resultados.
Em 2023, menos da metade (48,4%) dos alunos do 5º ano do EF atingiram nível “adequado” de aprendizado em matemática. Outros 27,5% obtiveram proficiência “intermediária”, enquanto os demais terminaram a série com níveis “crítico” (20,2%) e “muito crítico” (3,9%).
O raio-x da educação básica apresenta cenário ainda mais complexo no ano final do ensino fundamental.
O Spaece 2023 mostrou que 29,7% dos alunos do 9º ano do EF da rede pública cearense obtiveram nível “crítico” de proficiência em matemática, e outros 28,9% amargaram o nível “muito crítico”. Somados, eles representam quase 60% de todos os estudantes da série.
Eliana Estela, titular da Seduc, afirma que os gestores sabem “o quanto a matemática é desafiadora não só para o Ceará”, e aposta, como estratégia, na busca por “formas para fazer a matemática chegar da melhor forma possível, ser gostosa de estudar e aprender”.
Emanuelle Grace, secretária executiva de Cooperação com os Municípios, avalia que a formação continuada de professores e o fortalecimento do ensino de matemática desde os anos iniciais do Ensino Fundamental são medidas importantes para reverter o cenário.
“Neste ano de 2024, teremos pela primeira vez a aplicação da prova de matemática no 2º ano. Para além das formações PAIC (Programa de Alfabetização na Idade Certa), temos um curso ofertado aos professores dos anos iniciais, voltado aos saberes matemáticos, para que a gente já comece esse olhar desde cedo”, pontua.
OBSTÁCULOS PARA O AVANÇO
A dificuldade no ensino da Matemática não é uma questão específica do Ceará. Segundo explica a doutora em Educação Eloisa Vidal, professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE), seja no Brasil ou em outros países, a história dos exames de avaliação mostra que os avanços sempre são maiores na língua materna.
Além disso, a docente explica que o ensino do 6º ao 9º ano é considerado uma fase “bastante problemática” em diferentes aspectos. Um deles é que nesse período que o estudante passa a ter pelo menos sete docentes — movimento que “é muito complexo e normalmente desorganiza muito os processos cognitivos”.
Outro ponto elencado por ela é que o perfil dos profissionais formados em cursos de Licenciatura específicos de cada área — Matemática, Geografia, História, etc. —, está mais alinhado à atuação no Ensino Médio. “Isso faz com que esse professor tenha dificuldades de lidar com metodologias e com processos de ensino-aprendizagem para o público de 6º ao 9º ano”, afirma.
A essas questões, Eloisa Vidal acrescenta aspectos relacionados à atratividade da escola e à deficiência de políticas públicas voltadas para essa etapa do ensino.
“Com a ausência de iniciativas de políticas, especialmente contínuas, associada a um professor que não foi preparado para trabalhar nesse segmento, então a gente começa a enfrentar problemas estruturais, sistêmicos, que não é o estado do Ceará que vai resolver sozinho. Precisa de uma forte indução por parte do Ministério da Educação”, diz.
Como estratégias para melhorar esse cenário, a doutora em Educação pontua que Estado e municípios devem oferecer iniciativas de formação continuada dirigida para os professores e tornar a escola mais atrativa para os estudantes, uma vez que a competição com as mídias digitais “é uma concorrência que o ensino da matemática vai perder sempre, se não mudar”.
O professor de Matemática precisa continuamente receber formação não só em retomada de conhecimentos específicos — com possibilidades de estratégias de transposição didática mais motivadoras, que levam o aluno a se interessar por esse conteúdo, recursos pedagógicos, ambientes pedagógicos estimulantes para você trabalhar o desenvolvimento do raciocínio lógico, etc. — como uma formação continuada em novos métodos, novas metodologias ativas que levem novidades para a sala de aula, porque a matemática tradicional de quadro e pincel, com o aluno lá assistindo aula e resolvendo exercício, tem se mostrado um processo em que se enfrenta muita resistência.
Eloisa Vidal
Doutora em Educação e professora da UECE
CASO DA CIDADE DE CRUZ
Investir em novos métodos para ensino da disciplina é política adotada pelo município cearense de Cruz, como mostrou o Diário do Nordeste em reportagem publicada no início deste mês. Por lá, a “discrepância” entre o desempenho dos alunos em português (nota 7) e matemática (4,5) mobilizou gestores a adotar novas metodologias.
Com investimento de R$ 60 mil, a cidade pretende implementar uma abordagem chamada de “Mentalidades matemáticas”, elaborada pelo Instituto Sidarta, de São Paulo, e que utiliza neurociência, psicologia e educação para desenvolver os potenciais de aprendizado dos alunos.
A cidade de Cruz será a primeira do Ceará a receber as capacitações e aplicar a nova forma de ensino, cuja ideia é “tornar a matemática mais atrativa”, como pontuou Raí Mota, secretário de Educação de Cruz.
Ya Jen Chang, mestre em educação e presidenta do Instituto Sidarta, explica o diferencial da abordagem: democratizar o entendimento sobre os números e fórmulas.
“Hoje, nas salas de aula, existe uma percepção de que tem gente que nasceu com o dom da matemática e os que nasceram sem o dom. Isso é um mito. Não existem pessoas de humanas ou de exatas: todos nós somos os dois”, frisa.
O QUE É O SPAECE
O Spaece é uma avaliação para identificar o nível de proficiência e a evolução do desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, como define a Seduc.
As provas abrangem a alfabetização, aplicadas para alunos do 2º ano do EF; o Ensino Fundamental, feita por estudantes dos 5º e 9º anos; e do Ensino Médio, aplicada entre adolescentes do 3º ano, o último do ensino básico.
Fonte: Diário do Nordeste
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