O milagre da hóstia, na Igreja de Nossa Senhora das Dores,
começou tudo. FOTO: Antonio Rodrigues
Crato/Juazeiro do Norte. Na medida em que a população da Terra do Padre Cícero aumentou, após sua emancipação, em 1911, a rivalidade entre os dois municípios também cresceu. As romarias recebiam mais e mais pessoas, mesmo após a morte do patriarca da Cidade, em 1934. Isso surpreendeu muitos intelectuais, que acreditavam que os romeiros voltariam para suas terras sem o auxílio espiritual e material do santo popular. No entanto, na cidade santa já haviam fincado sua economia e fé.

Em 1940, Juazeiro possuía 38.145 habitantes, quase se equiparando ao Crato, que contava com 40.282 pessoas. Por outro lado, a população urbana e suburbana da Terra do Padre Cícero era bem superior à cidade vizinha: 24.155 contra 12.567 habitantes. Já na década de 1950, a cidade salta para 56.146 moradores, ultrapassando em quase 10 mil a localidade rival. "Na medida em que Juazeiro crescia, o Crato se sentia como se tivesse perdendo o bonde da história", explica a professora e pesquisadora Otonite Cortez.

Com o crescimento rival, no Crato alimenta-se o discurso de que os recursos, investimentos públicos e indústrias seriam desviados para Juazeiro. "Isso é dito até hoje", garante a pesquisadora. A disputa ideológica foi para a política até a década de 1960.

Cultura x Religião
Em 1958, quando Crato comemorou o centenário de elevação à categoria de Município, houve um movimento para reafirmar-se como "cidade da cultura". Em um único ano, foi criado hino, bandeira, o Instituto Cultural do Cariri e o Museu do Crato. Nos símbolos, estavam expressas as ideias do passado revolucionário da Cidade, lembrando a Revolução de 1817 e sua heroína, Bárbara de Alencar. Isso foi importante para um impasse político com Juazeiro do Norte, que ocorreu na década de 1980: a luta para sediar a Universidade Regional do Cariri (Urca).

Um dossiê entregue pelo Município, reforçando a identidade de "cidade da cultura" teve importância na decisão. No documento, há números de escolas, alunos matriculados e academias literárias em seu território. Isso saltou das elites cratenses e foi incorporado pela população, pois, "há todos os rituais para consagrar. Uma identidade não se constrói do nada", afirma Otonite. Na época que foi definido o Crato como local que receberia a Urca, só havia um deputado estadual representando a Cidade, enquanto Juazeiro do Norte possuía três estaduais e um federal.

Enquanto Crato se definia e se consagrava como "cidade da cultura", Juazeiro do Norte incorporou a "terra de oração e trabalho". Na década de 1960, por exemplo, 68 ruas cratenses foram nomeadas por intelectuais, artistas e políticos importantes do cenário nacional. Já na Terra do Padre Cícero, no centro da cidade, quase todas as vias homenageiam santos, representando a sua religiosidade.

Mas a rivalidade entre as duas cidades foi se diluindo, seja pelo fenômeno da bifurcação ou pelas relações econômicas, já que muitas pessoas do Crato trabalham em Juazeiro, e vice-versa. "Hoje, não existe mais. Obviamente, algumas pessoas mais idosas ainda guardam. É até motivo de anedota essa conduta. Há cada vez mais, ações conjuntas, inclusive, a formação da Região Metropolitana do Cariri", acredita Otonite.

Em alguns momentos, a disputa entre os municípios se reacendeu, como no Campeonato Intermunicipal de Futebol de 1967, quando cratenses e juazeirenses se enfrentaram na semifinal. "Bando de pequizeiros" e "romeiros desgraçados" eram algumas das ofensas trocadas. Após dois empates e muita confusão, no Estádio dos Bandeirantes, em Juazeiro do Norte, a terceira partida para definir o finalista teve que ser em Fortaleza.

Hoje, juntas, Juazeiro do Norte e Crato somam mais de 400 mil habitantes. Ao lado de Barbalha, formam o triângulo "Crajubar", pelo processo de bifurcação entre elas. Com a chegada das universidades, indústrias e comércio, algumas pessoas visitam as três cotidianamente.

"Visão de fora"
A advogada e professora Patrícia Oliveira Gomes escolheu morar no Crato, mesmo trabalhando em Juazeiro do Norte. Antes de chegar à região, ela conta que já percebia as diferenças entre as cidades. "A gente começa a fazer comparações e, de alguma forma, alimentar (a discussão). Dá para perceber e, mesmo sem morar aqui, acaba-se comparando", admite. No comércio, as publicidades advertem: "Quem é do Crato, compra no Crato". Outro outdoor recente dizia: "Eu acredito no Crato". Tudo isso é percebido pela advogada.

"Gosto do Crato por ser mais aconchegante, bonitinha, limpa, próxima da natureza, só falta aproveitar esse potencial. Mas já vejo lados positivos nas duas cidades. Juazeiro tem uma oferta maior de serviços, principalmente de lazer; lojas maiores e comércio que funciona. Mesmo os pequenos, têm mais movimento e variedade. No Crato, muitos estabelecimentos têm fechado, infelizmente", compara.    (Diário do Nordeste)

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