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Perícia pedida por historiador deu mais detalhes sobre
morte de Lampião (terceiro da esq. para a dir.) — Foto: Divulgação/GESP/BBC
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Mais de oito décadas se passaram, e a história ainda não chegou
à conclusão de como Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi morto. O debate
ainda rende entre pesquisadores do cangaço e segue longe de um consenso sobre
como se deram os últimos suspiros de Lampião. Há até mesmo quem duvide de sua
morte.
Uma novidade trouxe
mais elementos a um debate que parece não ter fim. Trata-se de uma perícia
feita nas roupas e objetos que estavam com Lampião no dia da emboscada policial
na grota do Angico, sertão de Sergipe, em 27 de julho de 1938. Após as mortes,
as cabeças de Lampião, sua esposa Maria Bonita e outros cangaceiros foram
cortadas e expostas ao público como troféu no Recife.
As peças estavam
guardadas intocáveis até então no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas –
como a operação que caçou o cangaceiro na caatinga foi feita pela Polícia
Militar do Estado, Alagoas herdou o material e o guarda como relíquia até hoje.
A análise foi feita
pelo perito Victor Portela, do Instituto de Criminalística de Alagoas. A BBC
News Brasil teve acesso ao documento inédito, datado de 19 de julho de 2019,
que atesta que Lampião teria recebido três tiros.
Mas a morte do rei do
cangaço apresenta teses e mais teses. Uma delas é que Lampião e o bando foram
envenenados antes do tiroteio, e que a polícia disparou contra o grupo já
morto. Há quem defenda que o rei do cangaço não morreu em Angico, mas, sim, um
sósia – o verdadeiro cangaceiro teria morrido com 100 anos em Minas Gerais.
"Se quiser, conto as
duas mil teses que existem sobre a morte", brinca o historiador e
jornalista João Marcos Carvalho, autor do documentário ainda inédito Os Últimos
Dias do Rei do Cangaço. Foi ele quem pediu ao perito alagoano uma análise das
peças, que deve reabrir um debate que parecia ter encontrado seu fim no ano
passado, quando o escritor Frederico Pernambucano de Mello publicou livro
Apagando Lampião.
Na publicação, o pesquisador do cangaço afirma que Lampião
morreu com um único tiro disparado a oito metros de distância pelo cabo Sebastião
Vieira Sandes. A versão ainda diz que o tiro certeiro foi dado de fuzil,
conforme relatado pelo próprio policial alagoano autor do disparo – que o
procurou quando estava com doença terminal em 2003 para revelar o que seria o
maior segredo.
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Segundo perícia, tiro acertou o punhal usado por Lampião
e foi
desviado para a região umbilical — Foto: Ingryd Alves/BBC
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Debate
Para Carvalho, a tese de
Frederico está errada. Ele diz que Lampião foi morto pela polícia em uma
emboscada e estava com outros integrantes do grupo quando foi surpreendido.
Em
busca de mais detalhes sobre o enigma da morte do cangaceiro, Carvalho pediu um
laudo ao perito alagoano. "Procurei o perito Victor Portela e solicitei a
análise daqueles objetos que estavam guardados e nunca tinham sido
mexidos", explicou.
À BBC News Brasil, o perito disse
que de imediato aceitou a missão. Ainda em 2018, ele iniciou a análise no
punhal, nas cartucheiras e nos bornais (tipo de bolsas usadas pelo cangaço) de
Lampião. Segundo ele, foram percebidos pontos de impacto e perfurações nos
materiais utilizados.
O laudo de Portela diz
que foram três tiros. O primeiro deles acertou o punhal, e a bala acabou
desviada para a região umbilical; outro atravessou a cartucheira – que era
utilizada no ombro – e atingiu o coração; e o terceiro atingiu cabeça.
Para o perito, é impossível saber qual dos tiros – ou se a
combinação deles – matou Lampião. Mas ele destaca que sua experiência como
perito aponta um dado controverso das teorias até então: os disparos no peito e
na barriga não matariam o cangaceiro instantaneamente.
"Ele poderia
morrer alguns minutos depois pelo sangramento. Só o tiro na cabeça o mataria
rápido, mas não temos como dizer a cronologia dos disparos", explicou.
Um dos pontos novos apresentados no laudo veio da análise dos
bornais feitos por Dadá (famosa cangaceira do grupo), que tinham duas marcas de
tiros. João Marcos crê que Lampião não teve tempo de vesti-los no momento do
tiroteio. "Quando o bando chegou à grota, o local não estava em um
silêncio de catedral. Lampião estava vestindo a cartucheira, o punhal e tomou
os tiros ali. Não deu tempo de ele vestir os bornais", explicou.
Portela concorda
com o jornalista e historiador, revelando que a perícia mostrou que os tiros
foram dados de cima pra baixo, e que os bornais não tinham marca de sangue.
"Ficou uma incógnita com relação aos bornais, mas quando fiz a sobreposição
das cartucheiras com os bornais, vi que não há compatibilidade com nenhum dos
disparos", afirmou.
Neta rechaça ideia de um tiro
Vera Ferreira, neta de
Lampião, disse à BBC News Brasil acreditar que a perícia recente sustenta a
teoria mais correta a respeito da morte do avô.
Ferreira não acredita na
versão de tiro único, nem de envenenamento, muito menos de que seu avô
sobreviveu e morreu em Minas Gerais. "Quando o corpo do meu avô foi
periciado, apontou-se três tiros", disse.
Questionada sobre a versão de que o cabo Sandes ter matado o
avô, Vera afirmou que não é possível saber quem matou Lampião. "Quem deu o
tiro de misericórdia? Imagine várias pessoas atirando ao mesmo tempo, o mesmo
alvo, ninguém sabe", completou.
O 'julgamento' de Lampião
Além da polêmica da forma
da morte, a história de Lampião também levanta o questionamento: herói ou
bandido? Matar Lampião era um desejo das autoridades brasileiras desde a
segunda metade da década de 1930. A ordem foi dada pelo então presidente
Getúlio Vargas. Atendendo a pedidos de políticos nordestinos, ele impôs uma
longa caçada ao bando.
Um seminário marcado para 2020, em Piranhas, sertão de Alagoas,
vai levar as teses da morte e "julgar" se Lampião era herói ou
bandido. "Existem aqueles que defendem que Lampião era bandido, mas alguns
dizem que o cangaceiro era uma vítima da sociedade. Vamos analisar isso".
O júri será
composto por promotores, juízes, advogados e os historiadores, aos quais serão
apresentadas as versões, casos e opiniões.
O perito Victor
Portela também contou que na ocasião será apresentado o laudo. "Vamos
utilizar a perícia para excluir teorias que não são compatíveis com os fatos
que foram levantados. Vamos filtrar e excluir teorias que realmente não
batem", disse. "Além do julgamento queremos posteriormente fazer uma
análise no local com reprodução simulada para ver os pontos de impacto no local",
disse. (Fonte: BBC News)
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