A Chapada do Araripe deve ser o primeiro lugar reconhecido como Paisagem Cultural do Ceará, pelo Estado. Um projeto será enviado à Assembleia Legislativa pelo governador Camilo Santana, onde será apreciado pelos deputados, que cria esse reconhecimento. A iniciativa pioneira é uma estratégia para encorpar sua candidatura como Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A iniciativa começou em agosto de 2019 com o Seminário Chapada do Araripe Patrimônio da Humanidade, realizada em Nova Olinda. Dali, foi lançado o comitê intersetorial, que deu início aos trabalhos técnicos, formado por representantes da Secretaria de Cultura do Estado (Secult), da Universidade Regional do Cariri (Urca), do sistema Fecomércio, da Fundação Casa Grande, do Geopark Araripe, entre outros.
Em fevereiro do ano passado, este grupo enviou um ofício junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) solicitando que seja apreciada a inclusão na lista nacional.
Entre os locais que já foram alçados como Patrimônio Cultural e Natural do Brasil e que também foram reconhecidas pela Unesco estão a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, o Centro Histórico de Olinda, Pernambuco, o Centro Histórico de Salvador, Bahia, o Plano Piloto de Brasília, no Distrito Federal, o Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, a cidade do Rio de Janeiro, Paraty e Ilha Grande, que inclui parcelas do território dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
PASSO A PASSO
Com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), um projeto na ordem de R$ 700 mil para elaboração do dossiê exigido pela Unesco, foi iniciado em agosto do ano passado. O trabalho é realizado por 12 pesquisadores.
“Os levantamentos iniciais mapearam bens em 29 municípios, naturais e culturais. Portanto, temos alguns dados bastante relevantes”, ressalta o professor Patrício Melo, que lidera a pesquisa com apoio técnico da pesquisadora Conceição Lopes, da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Entre os dados coletados estão, por exemplo, os 22 grupos de reisado catalogados em Juazeiro do Norte. Do ponto de vista do patrimônio natural, também foi feito um levantamento tal como dos sítios arqueológicos. “Tem uma grande quantidade em municípios com proteção tímida, com Abaiara e Brejo Santo. Um patrimônio também representativo em cidades como Farias Brito e Caririaçu”, completa o pesquisador. A primeira versão deverá ficar pronta ainda neste mês e será apresentada como base para receber a chancela a nível estadual, até agosto deste ano.
O secretário de Cultura do Estado, Fabiano Piúba, acredita que este reconhecimento a nível local é um degrau importante para a inclusão na lista do Iphan. Já a candidatura junto à Unesco, depende de uma indicação do Brasil, através do próprio órgão. Inclusive, uma visita de técnicos do Instituto ao Cariri estava prevista para março e abril do ano passado, mas por causa da pandemia da covid-19, teve que ser adiada.
Em fevereiro deste ano, um novo pedido foi enviado à Brasília, mas sem retorno, até agora. Nele, a Secult pede novas visitas técnicas e encontros virtuais. “Ainda estamos aguardando a resposta”, explica Piúba. O Iphan foi demandado sobre o procedimento, mas não respondeu até a publicação da matéria.
No próximo dia 26, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (Coepa) convocará uma audiência pública para apresentar a primeira versão do dossiê. Já no segundo semestre deste ano, está previsto para acontecer um novo seminário, onde serão comunicados às instituições e à população os avanços da candidatura até agora. “Até para que possam se apropriar da discussão”, reforça Patrício.
A ideia é que neste segundo ano de trabalho, os pesquisadores se dediquem a corrigir eventuais apontamentos da primeira versão do dossiê e discutam o planejamento da gestão da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade.A apresentação formal junto à Unesco está prevista para 2023.
“A escolha por 2023 é por várias questões. A primeira, que para ser viável, precisa estar na lista nacional. Acreditamos que, até lá, seja tempo suficiente para ser apreciado junto o Iphan, que no primeiro momento ficou entusiasmado com a documentação que apresentamos. Isso deixou a equipe otimista”, lembra o professor da Urca.
Caso a candidatura da Chapada do Araripe não seja aprovada, Patrício acredita que o reconhecimento estadual, pela consequente a criação do projeto de Paisagem Cultural do Ceará, de forma pioneira, já traz benefícios. “A cultura e a Chapada já são reconhecidas pela comunidade local e científica. Mas a construção do dossiê criou uma agenda de proteção deste patrimônio”.
DEFINIÇÃO
A Unesco define o Patrimônio Cultural e Natural em três classificações: Paisagem Associativa, Paisagem Evolutiva Relíquia Fóssil e a Paisagem Evolutiva Viva. No caso da Chapada do Araripe, ela se enquadrará nesta última, que aponta a “co-relação entre homem e natureza”.
“A perspectiva é conectar a existência da cultura com os povos que por aqui viveram pelo patrimônio natural, rios, florestas. Evolutiva viva porque essa passagem humana criou um sistema de cultura que tem manifestações no território através da arqueologia, interpretação mística dos fósseis”, explica Patrício.
Na interpretação dos pesquisadores, os resquícios da cultura ancestral estão preservados, mesmo no século XXI. Um exemplo está na manifestação da banda cabaçal dos irmãos Aniceto. “A dança representa um caboclo tentando domar um enxame de abelha. Isso faz com que a paisagem vá evoluindo”.
Um dos idealizadores da candidatura, Alemberg Quindins, que ao lado da arqueóloga Rosiane Limaverde criou a Fundação Casa Grande, de forma filosófica, acredita que a Chapada do Araripe reúne o território do “Kariri com K”, reforça de forma enfática, em referência à nação indígena que viveu na região. “A federalização do Brasil transformou a Chapada do Araripe de uma mesa para um muro, que separou a cultura que vive no entorno. Mas sempre existiu um povo envolto desse oásis que aqui proporcionava”, compreende.
Como um lugar que compreende o Ceará, Pernambuco e Piauí e tem no seu entorno a Paraíba, Alemberg acredita que “o que foi politicamente dividido, culturalmente nunca foi”, enxerga. De um lado, Luiz Gonzaga e Lampião, do outro, o Padre Cícero e Patativa do Assaré.
“A Chapada é o epicentro deste território. Dela, nasce a Bacia do Araripe, em que estão sítios arqueológicos e paleontológico. Em sua borda, tem todos os valores, como a Pedra do Reino. Isso é muito interessante. Quantos nordestinos vem ao Juazeiro? Em todo lugar você vê uma estátua do Padre Cícero. Com os romeiros, se carregam as lendas da Batateira, da Mãe D’água. A Chapada é um resumo do Nordeste”, define.
O QUE ESSE RECONHECIMENTO REPRESENTA?
“O reconhecimento do Cariri como patrimônio cultural aqui, nós já temos. O que estamos ofertando é o reconhecimento para o mundo, para a humanidade”, acredita o titular da Secult. Fabiano Piúba ilustra que a inserção do território junto à Unesco traz quatro principais fomentos: político, ambiental, turístico e educativo. “Cria uma agenda de desenvolvimento, porque temos que apresentar um plano de gestão”, completa.
A política da cultura seria beneficiada pelo fomento das artes e tradições populares. “Cultura é economia. Gera riqueza. Essa manifestação cultural ajuda o desenvolvimento das pessoas”, reforça. Do ponto de vista ambiental, o plano de gestão estimularia a preservação das riquezas naturais, como as fontes naturais e a Floresta Nacional do Araripe.
“A Chapada é um livro deitado que conta a história do mundo a partir da paleontologia, da arqueologia"
FABIANO PIÚBA
Secretário estadual da Cultura
Outra e importante alternativa é o turismo. “Mas não um turismo convencional. Um turismo sustentável e cultural. Turismo que vão oferecer experiências. Conhecer e se reconhecer. Valorar a experiência de pertencimento ou de descoberta”, adverte o secretário.
Neste trabalho, entra um circuito que vai desde os bens culturais como o Centro Cultural do Cariri, que está sendo construído no Crato, ao Mirante do Cruzeiro em Barbalha, onde foi instalado o teleférico. Por último, vem a educação patrimonial. “A gente só se preserva quando a gente educa. É um projeto que as pessoas, os municípios, estarão dentro do plano de gestão. Nele, ações que estimulem a preservação, a reeducação”, completa.
A candidatura também vai discutir o desenvolvimento de regiões do entorno, em especial o Pernambuco, mas também pensando em cidades do Piauí e Paraíba. “Para nós, o patrimônio tem que ofertar inclusão e distribuição de renda. Do que adianta criar um patrimônio que só quem tem condições de visitar são os ricos. As populações tem que ser inclusas, capacitadas. Os valores do lugar sejam sublinhados, apoiados, para quando se tonar patrimônio da humanidade, elas serem as primeiras beneficiadas”, acredita Alemberg Quindins.
Fonte: Diário do Nordeste
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