A Escola Antônio José de Albuquerque era um dos locais de votação em Salitre. Foto: Ismael Soares

14/09/2023

A cada 2 anos, em dia de eleições seja para prefeito, governador ou presidente, as escolas públicas municipais Antônio José de Albuquerque e Irineia Enoque Rodrigues, localizadas na zona rural da cidade de Salitre, na região do Cariri, Sul do Ceará, recebiam eleitores do município já que abrigavam  seções eleitorais. Registros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Ceará mostram que a ação se repetiu, pelo menos, desde 2010 (conforme dados mais remotos disponíveis com o detalhamento dos locais de votação) até 2020. Mas, em 2022, um comunicado surpreendeu os eleitores da área: a partir dali, os dois locais não teriam mais seções, pois não estão dentro dos limites do Ceará.

Nas eleições municipais de 2020, segundo dados do TRE, 742 eleitores estavam aptos a votar na Antônio José de Albuquerque e 240 na Irineia Enoque. Ou seja, 982 eleitores de Salitre do total de 13.830 aptos a participarem do pleito municipal. Naquele momento, no qual se definiu quem ocuparia o cargo de prefeito e as vagas na Câmara Municipal, 639 eleitores de Salitre compareceram à Escola Antônio José de Albuquerque e 212 à Irineia Enoque Rodrigues.

Ter o local de votação considerado como território do estado vizinho é mais um dos dilemas enfrentados pelos moradores dessa área de Salitre que vive um conflito territorial com a cidade pernambucana de Ipubi. Conforme noticiado pelo Diário do Nordeste, essa semana, o território dos dois antigos locais de votação é palco de um impasse entre as duas cidades no qual o Ceará perde área para o estado vizinho. Com isso, tanto a identidade da população é afetada, como o acesso a direitos e serviços.


A questão perdura há anos, mas ganhou evidência com o Censo Demográfico 2022, quando a comunidade rural com cerca de 1.000 moradores, que se reconhecem como cearenses, não foi recenseada pelo Ceará, pois, segundo as referências seguidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área pertence a Pernambuco.

COMO OCORREU A MUDANÇA? 
Em 2022, o entendimento do TRE foi na mesma direção do IBGE. Segundo a Prefeitura de Salitre, o órgão expediu uma recomendação a 38ª Zona Eleitoral de Campos Sales sobre o rezoneamento do mapa de sessões de Salitre. Com isso, as escolas que até 2020 serviram como espaço de votação, no pleito seguinte não puderam mais ser utilizadas para esta finalidade. O TRE garante que isso ocorreu porque os equipamentos estão no território do estado vizinho. Logo, não podem receber eleitores do Ceará.  

Registros do TRE indicam que em 2020 havia 26 locais de votação em Salitre. Essa conta inclui as escolas Antônio José de Albuquerque, na época da eleição, descrita no cadastro do TRE como situada na Serra dos Nogueiras, na zona rural e a Irineia Enoque Rodrigues, que constava como localizada também na área rural, na comunidade Serra do Baixio do Moco.

O território em questão em Salitre é conhecido como Serra do Baixio do Moco e lá as comunidades se subdividem em áreas que levam nomes de famílias, como Serra dos Nogueiras, dos Afonsos, dos Carlos, dos Gaudêncios, dos Felisminos, dos Torres, dentre outras.

Já em 2022, 14.188 eleitores estavam aptos a votar na cidade e uma notícia surpreendeu a comunidade em questão: as duas escolas não funcionariam mais como locais de votação.  Conforme moradores relataram ao Diário do Nordeste, a mudança, à época, causou bastante tensão quando anunciada pelo TRE. 

A Câmara Municipal de Salitre chegou a realizar audiência pública na comunidade para tratar do assunto.

Em maio do ano passado, a Prefeitura de Salitre, conforme informado nos canais oficiais do órgão, buscou o TRE em Fortaleza para tratar sobre o remanejamento das seções eleitorais na área. O prefeito Dodó de Neoclides esteve na Corregedoria do Tribunal TRE-CE e foi recebido pelo corregedor, desembargador Raimundo Nonato.

No dia 23 de maio de 2022, relata a gestão municipal, o desembargador foi à Salitre, e uma reunião aconteceu na Serra dos Nogueiras com a comunidade. Estiveram no encontro também outras autoridades ligadas ao TRE e representantes dos poderes executivo e legislativo do município. 

Mas, a situação permaneceu a mesma e as seções foram, de fato, remanejadas. Em 2022, Salitre teve 25 locais de votação (pois saíram as duas escolas e entrou um templo religioso). Aqueles eleitores que, durante anos, votaram nas duas escolas foram transferidos para outra unidade pública de ensino da região, também na zona rural, a Escola Clementino Ribeiro de Alencar.

O equipamento que em 2020 tinha 324 eleitores aptos a voltarem, passou, em 2022, a ter 1.354. Destes, 1.096 compareceram efetivamente. 

“LOCAIS PASSARAM A INTEGRAR O TERRITÓRIO DE PERNAMBUCO”
O remanejamento foi para uma escola próxima às demais, mas pela malha cartográfica, estaria fora do conflito e completamente dentro de Salitre. Logo, teria regularidade para receber eleitores do Ceará. 

Questionado pelo Diário do Nordeste sobre o porquê até 2020 as duas escolas eram utilizadas como seções eleitorais e, em 2022, não foram mais usadas para essa finalidade, o TRE afirmou que a publicação da Lei Estadual 16.821/2019, estabelecendo os novos limites intermunicipais do Ceará, “provocou repercussão na zona eleitoral da qual o município de Salitre faz parte, a 38ª”.

Em 2022, Escola Antônio José de Albuquerque já não funcionou como espaço de votação. Foto: Ismael Soares

O órgão acrescentou que, por isso, “os respectivos locais de votação passaram a integrar o território de Pernambuco”. Já outra escola que recebeu os eleitores, destaca o TRE: “está dentro do limite territorial cearense conforme a Lei mencionada”.

Na prática, a repercussão ocorreu com um certo atraso, visto que em 2019 a lei indicada como referência pelo TRE já estava em vigor. A norma atualizou os limites dos 184 municípios do Ceará. Ela é também a referência seguida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo afirmou o superintendente do órgão no Ceará, Francisco José Moreira Lopes. 

Já o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), instituição ligada ao Governo do Ceará e responsável pela gestão e definição da representação cartográfica dos limites municipais cearenses, informou ao Diário do Nordeste que “a Lei 16.821 de 2019, aprovada pela Assembleia Legislativa, tem abrangência legal somente quanto aos limites municipais cearenses. Em relação às divisas estaduais, essa atribuição cabe ao Governo Federal”.

Fonte: Diário do Nordeste

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